Um Deprimente Espetáculo
Carreira Militar

Um Deprimente Espetáculo


por Valmir Fonseca Azevedo Pereira
Ontem, ao assistir à execrável cena protagonizada por militares do Exército que partilhavam entre si as doações enviadas para os flagelados de Santa Catarina, ficamos desolados.
Se nós, militares da Reserva, ainda usássemos a boina, seria o caso de enfiá-la até o queixo e aproveitar a cordinha de ajuste da cabeça para amarrá-la em volta do pescoço. Tal foi a nossa vergonha.
Vexaminosa atitude que denegriu os mais comezinhos princípios. Pelo ralo, foram–se, em minutos, os Valores, e enterrados na falta de Ética, o Pundonor e a Probidade Militar.
Mais do que ao homem–militar, não interessando se Oficial, Sargento, Cabo ou Soldado, deslustrou–se a Instituição.
O dantesco e deplorável ato de um grupo de soldados presenciado pela Nação calou fundo, como uma nódoa de mau-exemplo que maculou a nossa Instituição.
Aparentemente, sem chefia e o mínimo e elementar controle, fiscalização e acompanhamentos exigidos em missões desta natureza, os marginais fardados, que tinham por missão cooperar com as medidas de auxílio para os flagelados pelas enchentes, se aproveitaram do infausto para usufruir vantagens.
Mas qual seria o cerne da Questão? Chefia e Liderança? Talvez. O descaso com os atributos da área afetiva? Quem sabe.
Após minuciosas pesquisas em muitas obras sobre o tema "Chefia e Liderança", e em várias nuances de suas múltiplas facetas, desde sua Doutrina, Estrutura, Tipo e uma infinidade de outros títulos, de uma forma geral, fixaram-se em nossa mente, que aquelas obras não foram dedicadas aos chefes ou líderes em geral, aos indivíduos de menor expressão, aos militares de menor posto ou graduação, aos meros comandantes de pequenas frações, que na sua ambiência, por menor que seja, devem possuir as qualificações que aureolam a figura do chefe ou do líder.
Aquelas obras, em sua maioria, ressaltam a magnitude e as qualidades de militares de proa do cenário mundial, de gênios militares, como se eles fossem onipresentes e transparentes, e seus comandados, e as tropas, pudessem à sua simples visão ver ou adivinhá-los detentores de uma gama de atributos quase divinos. Na verdade, é provável que sua influência fosse exercida sobre os seus subordinados mais diretos, aos quais caberia repassar, para os demais, as ordens e planos do comandante-geral. Como primeira e derradeira constatação, devemos admitir que apenas a partir de uma sucessiva cadeia vertical de chefes e líderes, encadeando homens capazes de repassar aqueles planos, até o último soldado, poderá, realmente, fazer funcionar com êxito aqueles exércitos.
Assim, o presente foco refere–se em especial ao militar comum, àquele a quem caberá normal ou esporadicamente, o exercício do comando de qualquer fração, por menor que ela venha a ser, uma situação corriqueira no ambiente da caserna, e não ao chefe ou líder maior de uma instituição militar, de um exército ou de uma substancial fração.
Por isso, interessa–nos, abordar, não as qualidades de competência que devam ornar o "líder" ou a "autoridade" em virtude do exercício da chefia, mas os atributos da "Área Afetiva" que devem compor a sua imagem. No caso do militar, constituir o arcabouço pessoal para o desenvolvimento de atributos que pavimentam a aquisição ou o atendimento dos Valores Militares é fundamental.
Todavia, sem aprofundarmo–nos sobre o tema, cabe breve esforço sobre o que foi aventado, considerando o tipo normal de atividade gregária desencadeada pelos militares, comumente envolvendo o esforço conjunto de um grupo de indivíduos, o que naturalmente determinará como imprescindível para o êxito da missão, a formação do binômio "comandante–comandado" ou "chefe–subordinado", e esta, não é uma percepção unicamente militarista, é consabido pela sociedade, que apesar de todas as teorias igualitárias, os homens sentem a necessidade de se apoiarem em alguém que os oriente.
Sabemos que o grupo, sem alguém que o conduza, constituir-se-á em fonte de anarquia, de desunião e dificilmente chegará a qualquer lugar ou concluirá com êxito qualquer trabalho. Sem chefe, o grupo é corpo sem cabeça, que independentemente da boa vontade de cada integrante, cujo esforço, eventualmente, poderá ser oposto ao de outrem, exaure energias sem necessidade, esforço que poderia ser empregado em benefício do conjunto, bastando que alguém do grupo adotasse a iniciativa de coordenar o empenho comum na direção desejada – atitude que se espera seja adotada pelo chefe militar.
O exercício da chefia é uma prerrogativa de um cargo, desempenhado muitas vezes independentemente da capacidade de seu detentor, dado que o direito de comandar é mandato recebido legalmente. Todavia, é claro que um chefe não cumprirá bem o seu papel, a não ser que desenvolva em si próprio, as qualidades que o transformarão num indivíduo digno do seu título.
No presente caso, em se tratando de influenciar atitudes, de preencher lacunas na formação, de atuar sobre o caráter do subordinado para que ele aceite e professe os referenciais da Instituição, é necessário compreender que, independente da obrigação do chefe ou superior hierárquico de assumir o comando de uma fração para cumprir uma determinada tarefa, para o superior militar, em qualquer contexto, um de seus deveres permanentes é o de repassar para os demais, em especial para os seus subordinados, instruendos e similares, por atos e por ação educativa, as bases para o atendimento dos Valores Militares.
Pelo exposto, podemos concluir que cabe à Instituição analisar com profundidade onde rompeu-se ou deixou de existir o decantado Exercício da Chefia e da Liderança. Das autoridades, Comandante, Oficiais, Sargentos e Cabos? Ou da formação dos soldados, que falha, impediu que um deles, qualquer um, reverberasse e impedisse sua vergonhosa ação? Ou de ambas?
Brasília, DF, 16 de dezembro de 2008
Gen Bda R1 Valmir Fonseca Azevedo Pereira
Fonte: BOOTLEAD



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