2.  Os dez mais da anistiapor Bruno Abbud
O ranking dos 10 mais da lista dos anistiados políticos soma R$  25.439.875,94 em indenizações.  A quantia é suficiente para instalar 26  mil computadores em escolas  públicas, equipar 31 hospitais com aparelhos  de tomografia e distribuir  exemplares do livro ‘Técnicas de  interrogatório sem violência’  entre 392 mil militares. As cifras  aparecem na folha de pagamento do  Ministério do Planejamento. A  identificação dos beneficiários exige uma  demorada busca na coleção do  Diário Oficial da União.
Todas  as indenizações foram aprovadas pela Comissão de Anistia, mas  nenhum  integrante do ranking recebeu integralmente o dinheiro pago em   parcelas. Enquanto esperam, recebem pontualmente as pensões mensais  fixadas na mesma decisão que calculou o valor da indenização. O n° 1 da  lista, José Carlos Arouca, não sabe quando poderá dispor dos R$ 2,9  milhões que lhe valeram a condição de recordista. Mas os R$ 15,6 mil da  pensão mensal têm sido regularmente depositados em sua conta bancária.
Aos  75 anos, instalado na banca de advogado perto do centro  paulistano,  Arouca foi aprovado em 1° lugar num concurso para juiz do  Trabalho em  1965. Ele se inscrevera para garantir a sobrevivência  financeira  ameaçada pela suspensão, decorrente de pressões do governo  militar, da  assistência jurídica que prestava a vários sindicatos. Não   só foi impedido de assumir o cargo de juiz como se viu processado com   base na Lei de Segurança Nacional e passou algumas semanas na prisão.
“Eu era filiado ao Partidão”, conta em tom orgulhoso, chamando pelo  apelido carinhoso o velho Partido Comunista Brasileiro. “Tinha uma  militância política muito intensa junto aos sindicatos”.  Em 1999, 20   anos depois da anistia, o resultado do concurso foi formalmente   reconhecido e Arouca se tornou juiz do Tribunal Regional do Trabalho de   São Paulo. Aposentou-se em  2005 e, no mesmo ano, foi contemplado com a   indenização milionária.
A voz parece menos afirmativa quando a conversa trata do dinheiro.  “Eu tenho uma porção de opiniões, mas algumas não estão valendo nada no  momento”, esquiva-se o ex-juiz, que se nega a confirmar o tamanho da  pensão mensal. “Acho que o meu caso está de acordo, está na lei”, diz.  “Eles não podiam dar nem mais nem menos”.
Terceiro do ranking, Paulo Cannabrava Filho  conseguiu R$ 2,7 milhões,  além da pensão de 15.754,80 por mês.  Presidente da  Associação  Brasileira da Propriedade Intelectual dos  Jornalistas Profissionais,  Cannabrava recebe o equivalente ao salário médio de um editor.  Procurado  por VEJA.com, exigiu que a pergunta fosse feita por e-mail.  Atendida a  exigência, respondeu com admirável concisão: “A  VEJA digo: nada a  declarar. Assunto encerrado”. Os beneficiários das  boladas gostariam que  o assunto fosse sepultado para sempre. Os brasileiros que pagam a conta discordam.
O quarto da lista, Renato Leone Mohor, também premiado com R$ 2,7  milhões, teve a reparação equiparada ao salário médio de um chefe de  redação: R$ 15,3 mil. Encerrou o telefonema ao saber que conversava com  um repórter de VEJA.com.  “Este número é confidencial e não vou te  atender, amigo”.
Décimo  do ranking, o jornalista e ex-deputado federal Hermano de Deus  Nobre  Alves não viveu para receber integralmente a indenização de R$  2,1  milhões. Em julho, aos 86 anos, morreu em Lisboa, onde morava desde   1991. Segundo as regras da anistia, o direito à reparação não é   transferível para algum herdeiro.
Entre os relatores, o campeão da generosidade com dinheiro alheio é o  advogado Márcio Gontijo. Seis dos 10 nomes entraram no ranking graças  ao parecer favorável do conselheiro perdulário. “Eu sou o conselheiro  mais antigo da Comissão, muitos processos já passaram pelas minhas  mãos”, desconversa Gontijo. E quais foram os critérios que ampararam a  gastança?  “Eu me baseio na lei”, acredita. Ninguém sabe exatamente a  que lei se refere.
1) José Carlos da Silva Arouca
Indenização: R$ 2.978.185,15
Pensão mensal: R$ 15.652,69.
Relator: Márcio Gontijo
2) Antonieta Vieira dos Santos
Indenização: R$ 2.958.589,08
Pensão mensal: R$ 15.135,65.
Relator: Sueli Aparecida Bellato
3) Paulo Cannabrava Filho
Indenização: R$ 2.770.219,00
Pensão mensal: R$ 15.754,80.
Relator: Márcio Gontijo
4) Renato Leone Mohor
Indenização: R$ 2.713.540,08
Pensão mensal: R$ 15.361,11.
Relator: Hegler José Horta Barbosa
5) Osvaldo Alves
Indenização: R$ 2.672.050,48.
Pensão mensal: R$ 18.095,15.
Relator: Márcio Gontijo
6) José Caetano Lavorato Alves
Indenização: R$ 2.541.693,65
Pensão mensal: R$ 18.976,31.
Relator: Márcio Gontijo
7) Márcio Kleber Del Rio Chagas do Nascimento
Indenização: R$ 2.238.726,71
Pensão mensal: R$ 19.115,17.
Relator: Márcio Gontijo
8 ) José Augusto de Godoy
Indenização: R$ 2.227.120,46
Pensão mensal: R$ 12.454,77.
Relator: Sueli Aparecida Bellato
9) Fernando Pereira Christino
Indenização: R$ 2.178.956,71
Pensão mensal: R$ 19.115,19.
Relator: Márcio Gontijo
10) Hermano de Deus Nobre Alves
Indenização: R$ 2.160.794,62
Pensão mensal: R$ 14.777,50.
Relator: Vanda Davi Fernandes de Oliveira