MUITOS GRANDES "GUERRILHEIROS DE FESTIM" E "COMPANHEIROS DE LUTA" FORAM INFORMANTES. Coisas importantes acontecem, ou deixam de acontecer, até hoje em função desse assunto... Qual será o motivo por que os arquivos das Forças Armadas não são abertos, sem restrições nem pré-exame dos asseclas da quadrilha, pelo menos aos historiadores, como informação ou reconstituição histórica? E, o mais importante, por que os arquivos do Ministério das Relações Exteriores não são nem cogitados? Colocaram a culpa no Cabo Anselmo, mas ele não tinha cacife, nível de conhecimento e de influência suficientes para dedurar com tanta precisão os embarques de volta... e outros detalhes importantes que muitos sabem, da mesma forma que o Jeová sabia ou desconfiava. Houve o caso de um deles que foi notável; o sujeito, ao saber que ia voltar para o Brasil, escreveu uma minúscula “cola” com todos os endereços dos contatos e a enrolou junto com o filme de sua máquina fotográfica. Ao ser preso em Salvador, o Delegado foi diretamente na máquina, desenrolou o filme e retirou a cola. Nem ao menos despistou, foi direto, sem querer saber de mais nada. Esse indivíduo foi preso, cumpriu pena e contou o ocorrido para todos os companheiros. Inúmeros outros casos flagrantes, semelhantes, aconteceram depois. Na verdade, sem sofismas, um traidor de alto gabarito dedurou os próprios companheiros. Como? Muito fácil. Um diplomata, ou similar, comunicava, por intermédio do serviço de informações do Ministério das Relações Exteriores, todos os lances a partir de Cuba. Um Coronel do CIE/Rio (que ainda está vivo), era o oficial de ligação com o Itamaraty. Logicamente, o Oficial de Ligação do CIE/Rio tinha um Major de auxiliar e substituto eventual (que, igualmente, ainda está vivo). O Coronel está muito doente e não deve durar muito. O caso do Cabo Anselmo é muito semelhante ao de Manoel Jover Teles... Depois do lamentável e violento incidente em que prendemos o Jeová e o Boanerges, no campo de futebol em Guaraí, fomos até a pensão onde eles (no total de 6) estavam hospedados e revistamos as bagagens. Munição de revólver e bombas de fabricação caseira, empregando latas vazias de óleo Singer, cheias de pólvora negra, enroladas com arame de aço (para estilhaçar) e cordão de pólvora (estopim). Jeová, ferido gravemente e o Boanerges ileso, uma vez que não ofereceu resistência, foram transportados para a farmácia e medicados, ficando o Jeová deitado num lençol estendido no chão. O nosso elemento ferido foi mandado, na segunda viatura, para o Quartel da PM em Araguaína (tiro no tórax). O Jeová parecia morto. Deixamos dois soldados PM de guarda e iniciamos a perseguição aos demais elementos do bando, tendo um guia local que nos conduziria à fazenda onde sabia que eles estavam. Ao chegarmos próximo, após uma longa caminhada na mata, no planejamento da ação de ataque, o guia informou que o filho, rapaz de 18 anos, estava com eles. Decidi aliviar a missão, pois eles iriam usar, na certa, o garoto como escudo, como era normal no procedimento deles e eu estava com vários elementos novos na equipe, que poderiam não ter a calma suficiente. Fizemos o cerco, com ordem expressa de não atirar, a não ser com risco de vida, defesa própria. Só intimidar. Se fraquejassem, apenas os antigos da equipe poderiam agir. Como eu já previa, eles fugiram, levando o rapaz de refém, como escudo, com uma arma na cabeça, sem chance para nós. Deixaram os “trouxas” para trás... Frustração grande nossa; deixamos de prendê-los, lamentavelmente. Eram quatro, embora a ordem do CIE se referisse a apenas três, além de Jeová e Boanerges: Otávio Ângelo, Jane Vanini, Sérgio Capozi (o quarto elemento, não foi identificado, talvez Rui Berbert). Retornamos a Guaraí à tardinha, quando o Jeová, para minha surpresa, pois achávamos que estava morto, pediu para falar com o chefe da equipe. O Boanerges ainda estava muito nervoso, mas auxiliou e falou, mais interpretando do que falando o que o Jeová balbuciava com dificuldade. O Jeová morreu em seguida, à noite, e o passamos juntamente com sua longa ficha criminal, ao prefeito, que mandou sepultá-lo no cemitério local.
O Jeová falou sobre terem sido dedurados, revelando o nome do traidor. Escutamos pacientemente e tudo foi anotado. Não dei grande valor ao que ele disse, mas depois de analisarmos todos os fatos, nos impressionaram a exatidão e o conteúdo das ordens que recebemos em Brasília:
eram de uma precisão fantástica. Eles iriam se reunir em Guaraí entre tais dias, nomes de todos eles, fotos, fichas, etc. Trabalho digno de Scotland Yard... Fizemos um relatório pormenorizado da operação ao CIE/ADF, na volta. Em seguida, de Guaraí prosseguimos para Araguaína, preocupados com a saúde do elemento de nossa equipe ferido. Como sempre, o nosso procedimento era, como eu dizia “feito cantiga de grilo”, só parávamos após cumprida a missão. Muitos queriam comer alguma coisa, mas “comiam mesmo era poeira”...
Em Araguaína, entregamos o preso ao Cmt do Btl da PM e passamos a relatar resumidamente as operações ao Capitão Chefe da 2ª Seção-Informações, após visita ao nosso elemento ferido, fora de perigo, na Enfermaria. Nos hospedamos numa pensão e iniciamos incursões de reconhecimento pela cidade. O resto do bando poderia estar por lá. No dia seguinte, na hora do almoço, o Cap S2 PM nos procurou, informando que tinha um casal suspeito num determinado hotel. Montamos uma paquera e suspeitei que a moça era a Jane Vanini, pois as características coincidiam com a foto: bonita, cabelos pretos, longos e lisos, olhos escuros, altura, etc; o marido tinha viajado para Marabá. Com a participação do gerente do hotel e na presença do Cap PM, revistamos o quarto da moça, enquanto ela se explicava ao gerente na portaria do hotel (estavam devendo várias semanas ao hotel). Encontramos no quarto uma foto de guerrilheiros cubanos (pela placa do carro que aparecia), armados de fuzis e revólveres, posando de revolucionários. Mandamos vir a moça, que ficou revoltada com a invasão e explicou que era uma foto recebida de uma amiga. Aceitamos o que ela disse e a levamos à presença do marido em Marabá, mas antes passamos numa serraria onde ela informou que ele trabalhava na administração. Revistei a mala dele, tendo encontrado uma intimação judicial por abandono da família (mulher e filha). Guardei-a no bornal e prosseguimos para Marabá. A moça chorou o tempo todo da viagem, umas três horas. Em Marabá, convidei o marido dela, que localizamos facilmente num bar, para nos acompanhar e fomos para a delegacia policial. Depois de interrogá-lo, concluí que o casal nada tinha com os bandidos. Mostrei, então, a intimação judicial e eles abriram em choro convulsivo. Estavam desesperados. Pensaram que iriam ser presos e recambiados para SP à presença do Juiz. Deixei-os a sós por meia-hora e liberei-os. Era pista fria, gelada.
Cerca de um ano depois, voltei a encontrar esse casal em Xambioá, num barco que ia para a Fazenda São José, subindo o rio Araguaia. Os moradores denunciaram que estava cheio de armas, com muitos “paulistas”. Nada de suspeito foi encontrado e eles foram liberados.
Muito trabalho desenvolvido no período, numa extensão enorme do nosso território.
As missões ao longo da Belém-Brasília eram para descobrir indícios da “grande área” de treinamento de guerrilha, mas demos de cara com o “grupo da ilha”, livrando a área de muitos atentados. Este fato nos atrasou demais nas pesquisas das áreas que tínhamos planejado: Tocantinópolis/Porto Franco, Xambioá e Marabá. Mas, como estamos vendo, foi providencial.
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