Carreira Militar
Ibiúna, o Congresso que acabou na prisão
Entrevista com o Delegado José Paulo Bonchristiano No dia 12 de outubro de 1968, o delegado José Paulo Bonchristiano desmantelou o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), que era realizado no sítio Murundu, situado no município de Ibiúna, distante 70 quilômetros a oeste de São Paulo. Na época à frente do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), órgão que teve papel central nas investigações e na repressão aos movimentos de oposição ao regime militar, o policial retornou da operação liderando um comboio de 80 ônibus e algumas viaturas, que tinham como passageiros de viagem centenas de estudantes detidos.
As versões sobre o número de prisões variam de 706 a mais de 1200. Policiais e presos caminharam cerca de oito quilômetros pelo lamaçal em que foi transformada a estrada, que havia sido castigada por mais de uma semana de chuva sem trégua. Na longa marcha para a prisão, deixaram pegadas pelo barro de Ibiúna nomes emergentes da esquerda brasileira, como o ex-todo-poderoso do governo Lula, José Dirceu, o ex-deputado petista Vladimir Palmeira e o então presidente da UNE, Jean Marc von der Weid.
Para obter as informações que buscava, o DOPS recorria, entre outros métodos, à sedução feminina. O departamento produziu diversas Mata-Haris, que se dedicaram de corpo e alma à busca de informações nos aparelhos das organizações de esquerda do país. Uma das mais célebres dessas espiãs tropicais foi a Maçã Dourada, uma estudante de filosofia infiltrada na vida de José Dirceu.
Conhecido entre seus colaboradores pelo sugestivo apelido de "Cacete e bala", o delegado Bonchristiano economizou munição na operação de Ibiúna. "Não disparamos um tiro. Prendemos 1263 estudantes de uma vez só e não deixamos ninguém ser ultrajado fisicamente", afirma. Quatro décadas depois da mítica ação, ele elogia Dirceu, diz que votaria em Lula, seu "hóspede" mais ilustre, e critica os métodos violentos que o célebre delegado Sérgio Paranhos Fleury reservava para os presos políticos. "No DOPS, entendíamos bem o que queriam os estudantes. Havia sido um deles. Lembro-me que em 53, no penúltimo ano da faculdade de Direito, fomos presos por fazer o enterro simbólico do Getúlio Vargas. E mais tarde fui diretor do DOPS".
Em meio à tensão das operações relacionadas à repressão, Bonchristiano comandou a segurança da Rainha Elizabeth II, quando a monarca britânica visitou São Paulo, em 1969. Pelo trabalho bem-sucedido, o delegado foi condecorado com a ordem de Cavaleiro da Rainha. "Fiquei 18 dias em Londres, com tudo pago pelo governo inglês, para receber o prêmio. O governador Abreu Sodré não se conformou. Dizia que a condecoração deveria ser feita a ele", afirmou Bonchristiano, personagem da Entrevista Especial BANDNEWS. (Fábio Piperno e Isabella Bassi, para o site bandnewstv.com.br).
Quando o senhor ingressou no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)?
José Paulo Bonchristiano - Tive 35 anos ininterruptos de polícia, iniciados em 1954. Cheguei ao DOPS em 1963 e saí dez anos depois. Me formei em Direito na PUC, a primeira universidade comunista. Por isso é que sempre entendi os estudantes. Cheguei ao DOPS convidado por um antigo colega, um dos maiores delegados de ordem política que vi na vida, o Antonio Ribeiro de Andrade. Me chamou, disse que precisava de mim e avisou que teríamos uma revolução no ano seguinte. Em 1963, o DOPS sabia tudo que acontecia na política da América Latina. O DOPS de São Paulo era o único órgão na América Latina que sabia de tudo.
Mas como o DOPS fazia para ser tão bem informado?
JPB - O DOPS era o único departamento do Brasil que tinha informação, contra-informação e desinformação. Hoje ninguém tem. Essa ABIN que está aí não tem nada. O desmanche do DOPS foi muito ruim para o país. O DOPS nunca precisou matar ninguém. A gente tirava tudo na conversa. O único delegado do DOPS que matou muita gente e fez muita coisa errada, mas não por causa do DOPS, foi o Fleury (1933-1979). Só na operação de Ibiúna prendemos 1263 estudantes de uma vez só e não deixamos ninguém ser ultrajado fisicamente.
Houve algum tipo de resistência em Ibiúna?
JPB - Nenhuma! Entrei no meio de onde estavam as tendas em que eles se encontravam os estudantes e disse: Está todo mundo preso! Muitos já me conheciam. Joguei para o José Dirceu a Maçã Dourada (codinome de Heloísa Helena - não confundir com a ex-senadora, que à época tinha 6 anos de idade!) e ela contou tudo.
Mas como que ela foi "plantada" no círculo do Dirceu?
JPB - Tínhamos várias estudantes. Não era só ela não. Elas trabalhavam para nós e para eles também. E a gente ficava sabendo de todas as coisas que eles faziam. Mulher conta tudo! Homem gosta de mulher bonita, toda arrumada e perfumada. Tínhamos outra muito mais difícil, a Denise Moreno. Essa não era brincadeira.
Qual foi o papel da Denise?
JPB - Fez tudo. Levantou informações de tudo o que eles queriam fazer. Ela sabia antes de tudo.
Ela teve romance com algum deles?
JPB - Com todos. Tinha romance com cada um. A gente passava as mulheres entre eles.
E quais eram as compensações para as Mata Haris brasileiras pelos bons serviços?
JPB - Dinheiro, um vestido bacana porque as mulheres gostam, e também o fato de elas se sentirem detetives.
Como era esse recrutamento?
JPB - Eram estudantes de Filosofia, Letras e era tudo no papo. A gente conversava com elas. Eram as Mata Haris brasileiras. E teve uma que sondamos muito, mas ela acabou ficando do lado deles. Foi a Iara Iavelberg.
Mas com a Iara foi bem diferente?
JPB - Foi para a luta armada. Quase a prendi em um apartamento na rua da Consolação, quando fui pegar o Lamarca. Ele conseguiu fugir. Mas logo prendemos a Iara. Depois, decidimos soltá-la. Sabíamos que ela ia procurar o Lamarca de novo. E foi com ele para a Bahia. Estava sendo monitorada.
Até chegar a Ibiúna, quais foram as informações que a Maça Dourada transmitiu a vocês?
JPB - Ela informou, dois dias antes, que o José Dirceu e a turma dele estavam reunidos para fazer um congresso. Vieram estudantes de todo o Brasil e ficamos monitorando. Pensamos que seria em Vinhedo. Mas a Maçã conseguiu dar um alô para nós do lugar, que ela não sabia exatamente qual era. Então, fechamos o cerco lá. Tive que andar oito quilômetros para ir. E voltei os oito quilômetros também andando com os detidos. Quando chegamos próximos à Ibiúna, pedi 80 ônibus onde colocamos toda a molecada e levamos todos para o DOPS. Chegando lá o diretor do departamento me perguntou: "O que você fez? Como vamos prender todo mundo?". Então eu disse: "Não se preocupe, vou soltar todo mundo. Só vou ficar com o pessoal do controle". Dito e feito. Muitos anos depois, quando eu já estava morando em Alphaville, um carro preto parou em frente à minha porta. Era o Zé Dirceu querendo tirar uma foto comigo. Indaguei o porquê e ele respondeu: "Porque eu quero ser presidente do PT e tirando uma fotografia com o senhor, conseguirei".
Foi em 1993?
JPB - Sim. E ele conseguiu ser presidente do PT!
O Vladimir Palmeira foi nessa viagem com o senhor?
JPB - Sim. Inclusive ele me convidou para uma festa no Rio de Janeiro, onde estava concentrado todo o pessoal da esquerda.
Há duas informações controversas. A primeira é sobre quem teria dado a informação final para vocês. Há uma versão de que foi um lavrador, que tinha uma dívida para cobrar. E há outra, a de que o padeiro achou meio estranho o volume de uma compra.
JPB - O padeiro achou mesmo estranho, pois pediram a ele uma encomenda de quatro mil pães para um sítio. A cidade era pequena e esse volume causou estranheza. Então ele telefonou para o delegado de Ibiúna informando o que havia acontecido. Aí é que entra o papel do lavrador que tinha uma dívida, de um saco de milho, para cobrar no sítio. Aliás, quando fui tirar a foto com o Zé Dirceu, encontramos o dono do sítio com um quadro do Che Guevara e barbudo como o Fidel Castro. Estava meio louco e falava em revolução.
Como esse assunto repercutiu em Brasília?
JPB - Foi uma coisa de louco. Conseguimos desmontar todo o esquema em São Paulo. Mas eu já havia desmontado um esquema antes, quando fiz a caderneta de Prestes, que foi o maior inquérito policial do Brasil até hoje.
Na época que o senhor estava no DOPS, por volta de 68, muita gente se escondia em áreas de São Paulo como Parelheiros, Interlagos e na Zona Leste?
JPB - Poucos. O pessoal naquela época, como eram todos estudantes ligados à faculdade, era urbano. Os aparelhos eram dentro de apartamentos. Quando eu peguei o assalto do trem pagador, que contou com esse que é o chefe da Casa Civil do (José) Serra, o Aloysio Nunes Ferreira, chegamos em um aparelho na rua Fortunato, número 24, atrás da Santa Casa de São Paulo. Nós colocamos lá a Joana. Ela que levantou o local. Quando chegamos lá, viram que era a Joana e abriram a porta. Então, entramos e prendemos todo mundo. Pegamos lá 480 milhões de cruzeiros, em dois sacos enormes. Os tiras ficaram até assustados.
E como era o detento José Dirceu?
JPB - Tranquilo. Só que o mais tranquilo de todos que tivemos foi o Lula (preso no início da década de 80). Mas teve um dia que ele reclamou da comida. Perguntei a ele: "você quer comer fora?". Ele disse que sim. Então, falei a ele para ir a um restaurante da Duque de Caxias (avenida, no centro de São Paulo), que o DOPS pagaria a conta. E ele foi e, mais tarde, voltou para a prisão. O Lula não dava problemas. Sempre foi carismático. Quando começava a falar na prisão, todo mundo ia na dele. Ele sabe conversar.
O Serra também chegou a ser seu "hóspede"?
JPB - Foi.
O Vladimir Palmeira chegou a fugir após a ação de Ibiúna? Falaram de uma fuga cinematográfica?
JPB - Nada. Nós facilitamos a fuga. Era interessante para a polícia, principalmente para a polícia política. Os que fugiam, iam encontrar os outros, fazer contatos e aí prendíamos todos. Só o Fleury que fazia bobagens. Nós conseguimos localizar o pessoal do Toledo, que estava comandando o Partidão. E o Fleury foi lá e matou todo mundo, numa casa lá na Lapa. O Fleury matava. Lembro uma vez que prendemos um militante, o Mario Japa, que tinha que ser ouvido por nós. Aí, encontramos o Fleury na rua, em uma outra viatura. Então, ele pediu o Mario Japa emprestado. Mas avisei que queria o preso de volta. Sabe o que ele fez? Matou o cara. O DOPS nunca entrou na área do DOI-CODI, mas eles queriam entrar na nossa. O Fleury foi determinado pelos generais da época para ficar à disposição do DOI-CODI no DOPS. Ele não era delegado do DOPS. Era uma espécie de delegado à parte no DOPS. Muita coisa foi mal explicada. Por exemplo, um cara que não precisava ter morrido era o (Carlos) Marighella. Ele foi preso por mim quatro vezes. Na última vez, ele disse: "doutor, o senhor foi o único que nunca encostou a mão em mim". Eu disse que nunca faria isso.
O Marighella quando foi cercado e executado já estava dominado ou resistiu à prisão?
JPB - O Mariguella era difícil. Ele topava a parada com as armas. E me falava que o poder a gente só toma pelas armas. Aí topou com o Fleury na alameda Casa Branca (na região dos Jardins, em São Paulo).
Que foi mais ou menos o mesmo lugar onde foi morto, em abril de 1971, o ex-presidente da Ultragaz, Henning Albert Boilesen, que era da OBAN.
JPB - E nós avisamos ele. Se precisar de uma segurança com você, nós podemos garantir, porque você está sendo manjado. Você está na OBAN, não é policial e fica olhando aqueles presos! Ficou manjado e pode morrer. Falei e uma semana depois ele morreu. Aí nós fomos buscar os caras que mataram ele. Pegamos um por um e morreram todos.
Mas a repressão ficou por conta do pessoal do Fleury?
JPB - É. Morreram todos. E aí eu gostei. Quando matam alguém que não tem nada a ver com isso, tem que morrer. E era assim antigamente. Quem matava um policial, depois morria.
O dinheiro da OBAN também chegava para as operações do DOPS?
JPB - Não. Era tudo com o Exército. O DOPS era do funcionalismo público estadual.
Ainda em 68 houve a batalha da Maria Antônia. Como foi o confronto?
JPB - Lá o problema foi maior porque o José Dirceu estava com a turma dele. Nós tínhamos do nosso lado o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que era dirigido por um rapaz que já morreu, um excelente advogado, o João Marcos Monteiro Fláquer. Houve então a confusão e ocorreu uma morte. Aí entramos e solucionamos tudo. Tiramos todo mundo de lá.
O Dirceu chegou a ser preso nesse dia também?
JPB - Foi. Lá na Filosofia USP, onde estudava a Maçã Dourada.
Vocês recebiam informações sobre pessoas procuradas que estavam em outros países da América do Sul? A Operação Condor era conhecida pelo DOPS?
JPB - Claro. Sabíamos de tudo. Prendi gente na Argentina, no Uruguai, no Peru e em outros países. Fui lá buscar essas pessoas.
Como era a estrutura do DOPS?
JPB - O DOPS era assim: primeiro, terceiro, quarto e quinto andares. O segundo andar era do Fleury, não do DOPS. Era separado. O Fleury fazia as coisas que os militares mandavam.
Texto completo em: http://bandnewstv.band.com.br/entrevistas.asp?id=89575
loading...
-
Tuma Jr. Lança Livro Com Ataques A Lula - "o Barba"
.O ex-secretário Nacional de Justiça Romeu Tuma Júnior lançou ontem (14/12/13) o livro Assassinato de Reputações - Um Crime de Estado, no qual ataca Luiz Inácio Lula da Silva e acusa o partido do ex-presidente, o PT, de utilizar a máquina do governo...
-
O Delírio De Persio Arida
Muitas das "lembranças", sem datas, sem nomes, não correspondem à verdade sobre o período, em 1970, em que esteve preso no DOIpor Carlos Alberto Brilhante UstraEm artigo publicado na revista "Piauí" de abril, intitulado "Rakudianai", Persio Arida...
-
HÁ 33 Anos, Morria Mao, Poeta, Guerreiro E LÍder
Por Janer Cristaldo em 09 Set 09 Quem tem a minha idade, deve lembrar do sufoco que era não ser marxista nos anos 70. Intelectuais do mundo inteiro criam, unânimes, que o mundo rumava ao socialismo. Os brasileiros, sempre na rabeira da História, não...
-
No Contra Ataque!! Bamo Que Bamo!!!
Procuradores vão se assustar Os procuradores do Ministério Público Federal, que andam apoiando seminários em favor de reinterpretações da Lei de Anistia ou cobrando punição para os militares que acusam de torturadores, terão uma surpresa histórica...
-
Ainda Há Quem Defenda As Forças Armadas
Edição de Sexta-feira do Alerta Total http://www.alertatotal.blogspot.com Carlinhos Metralha em ação O delegado da Polícia Civil de São Paulo, Carlos Alberto Augusto, constrangeu ontem um grupo de procuradores da República que discutiam a punição...
Carreira Militar