Carreira Militar
Qual Verdade?
por Gustavo
No último dia 16 de maio, o governo federal deu posse, com pompa e circunstância, aos sete membros da chamada "comissão da verdade". O objetivo, nada modesto, é investigar as violações dos direitos humanos cometidas no Brasil de 1946 a 1988, com foco, obviamente, no período militar após 1964. Como todos sabem, a notícia foi comemorada por muitos como um marco histórico, uma oportunidade de "passar a limpo" o passado brasileiro recente etc.
Escrevi alguns textos sobre a tal comissão. De modo que não vou me repetir neste aqui. Vou apenas fazer um adendo ao que já disse.
Em primeiro lugar, onde está escrito que a "verdade" sobre o que aconteceu em um determinado período histórico deve ser fruto de uma comissão, ainda mais estatal? A "verdade", em História, é uma construção de historiadores, não de funcionários públicos (e, fato curioso, existe até uma psiquiatra na comissão, mas nenhum historiador). É algo, até certo ponto, relativo e, de certo modo, mutável. Qual o sentido, portanto, de o governo criar uma comissão para estabelecer a verdade, digamos, sobre a Guerra do Paraguai, ou sobre o Quilombo dos Palmares? De que "verdade" se está falando?
Trata-se de uma conclusão mais do que óbvia, tão óbvia que chega a ser constrangedor afirmá-la: sempre que o Estado se propõe a determinar a "verdade" histórica, instituindo uma "verdade" oficial, timbrada e chancelada em várias vias, o que passa a vigorar, em vez da verdade, é a visão dele, do Estado, dos governantes de plantão, e não a "verdade" propriamente dita. Foi assim em países como a ex-URSS ou a Alemanha nazista, em que ideólogos estatais se dedicaram a construir "verdades" que não passavam de deformações da História para que se adequassem à ideologia dominante. Tanto no comunismo quanto no nazifascismo a História "oficial" nada mais era do que a versão mais conveniente ao Partido-Estado (Stálin era mesmo obcecado com o assunto e não hesitava em reescrever a História para que se ajustasse a cada expurgo). "Comissões da verdade" são, na verdade (com perdão da redundância), coisa de regimes totalitários, nos quais a maior vítima é (mais uma vez, data vênia a repetição) a... verdade.
Isso esclarecido, e já que estamos falando de verdade, vou dizer uma coisa que certamente vai chocar muita gente. É o seguinte: a ditadura militar matou menos inocentes do que a luta armada de esquerda.
Duvidam? Então prestem atenção.
Ao todo, foram mortas 424 pessoas pelos agentes da repressão político-militar no Brasil entre 1964 e 1979 (quando foi decretada a Lei de Anistia). Desse número, a imensa maioria - uns 400 - tiveram algum tipo de envolvimento com a esquerda, armada ou não. Eram, enfim, militantes ou simpatizavam com a causa esquerdista, muitos deles envolvidos diretamente com atos de terrorismo como sequestros, assaltos e assassinatos. Pesquise quem quiser. Sugiro a leitura de algum dos livros e dossiês publicados sobre os mortos e desaparecidos políticos desde 1964. Vejam lá, ao lado do nome e da biografia do morto, o nome da organização a que pertencia. Façam isso e depois me digam se estou mentindo.
Agora, as vítimas fatais da esquerda: são cerca de 120 (depois direi porque escrevi "cerca de"). Dessas, a maioria - mais de 80 por cento - não eram policiais ou militares ligados à repressão, mas simples cidadãos, civis sem qualquer participação ou atividade política, apanhados no meio do fogo cruzado entre terroristas e agentes da ditadura. Muitos, pessoas inocentes que simplesmente estavam no lugar errado, na hora errada - atingidos por uma bomba ou alvejados na fila do banco em uma "expropriação revolucionária", por exemplo. Alguns casos, mortes verdadeiramente absurdas como a do major alemão confundido com o matador de Che Guevara no Rio de Janeiro ou do marinheiro inglês metralhado "como protesto" contra a ocupação britânica na Irlanda do Norte... Sem falar nos "justiçamentos" (eufemismo para assassinato a sangue-frio) de companheiros de luta acusados de traição ou vacilação ideológica. Em todos esses casos, era a população civil, não os torcionários do DOPS ou da OBAN, os verdadeiros alvos dos grupos terroristas. Fazendo-se uma conta rápida, os inocentes mortos pela repressão não chegaram à metade dos inocentes atingidos pelo terrorismo de esquerda. Quem pode negar que este foi mais indiscriminado do que a tortura?
Quero dizer com isso que os militantes esquerdistas capturados pela repressão mereceram morrer e que a tortura e o assassinato de presos políticos estão, portanto, justificados? Evidente que não. Pensar assim é uma ofensa à inteligência. Equivale a dizer que os inocentes vitimados pelos atos terroristas da esquerda armada mereceram o fim que tiveram, como se os crimes dos dois lados "zerassem o jogo" e dois erros fizessem um acerto. O fato de a maior parte dos mortos pela repressão ser de terroristas não torna menos bárbara e brutal a tortura praticada pelos órgãos da repressão, nem justifica qualquer lei de exceção ou ato autoritário do regime de 64. Mas ajuda a colocar as coisas em seu devido lugar perante a História, mostrando que a "verdade histórica" não tem dono nem ideologia. A esquerda também matou, e matou inocentes. Mais do que a máquina da repressão. Qualquer tentativa de investigar o passado que não leve esse fato em conta, e que se omita de investigar a totalidade dos crimes cometidos por ambos os lados, estará contaminada, necessariamente, por um vício de origem.
Do mesmo modo que a esquerda terrorista deixou mais vítimas inocentes do que a ditadura contra a qual lutava, os únicos - faço questão de frisar: os únicos - desaparecidos políticos hoje no Brasil são os que a luta armada fez. A lei 9.140/95, decretada no governo de Fernando Henrique Cardoso, declarou oficialmente mortos todos os 136 desaparecidos políticos até então, cujas famílias puderam receber seus atestados de óbito e foram indenizadas. Já os casos de pessoas desaparecidas pela ação da esquerda até hoje não foram esclarecidos nem sequer reconhecidos, pois se mantém um silêncio sepulcral (com o perdão do trocadilho) sobre o tema. Seus restos mortais, como ocorre com muitos mortos pela repressão, até hoje não foram encontrados. Cito dois casos: o do guerrilheiro da ALN Ari Rocha Miranda, morto em 1970 em circunstâncias misteriosas pelos próprios companheiros em São Paulo e enterrado em local ignorado, e o militante anônimo do PCB executado pelo partido e cujo corpo foi dissolvido em ácido, conforme conta o ex-dirigente comunista Hércules Corrêa em seu livro de memórias. Sabe-se exatamente quantas pessoas foram mortas pelo aparato de segurança do regime militar, ao contrário do número total das vítimas da esquerda armada, estimado em 120. Tal fato mostra que se há alguém que reluta em contar a verdade - toda a verdade, e não só parte dela - sobre o período dos "anos de chumbo", mais do que os militares, é a esquerda.
Isso fica claro quando se depara com o véu de mistério que cerca, por exemplo, a trajetória da mais conhecida ex-militante de grupo armado de esquerda dos anos 60/70 no Brasil: Dilma Vana Rousseff. Até hoje, não se sabe exatamente o que fez a camarada Stela da VAR-Palmares. E isso apesar de ser ela a atual presidente da República, com toda a autoridade que lhe confere a Constituição para abrir os "arquivos da ditadura" (que ela, e não os militares, se nega a fazer). Assim como seu autoproclamado companheiro de armas José Dirceu, que insiste em dizer que só falará o que fez no período daqui a 20 ou 30 anos, o passado de Dilma, tão louvado por alguns, continua envolto em brumas. Quase certamente, só é louvado por causa disso.
Enquanto não se investigar o que fizeram de fato pessoas como Dilma e Dirceu, a ideia de uma "comissão da verdade" não passará de uma forma de omitir a verdade, em vez de resgatá-la. Um instrumento do revanchismo e de ocultação dos fatos - ou seja: exatamente o oposto daquilo que seus idealizadores alegam querer alcançar.
Fonte: Blog "Do Contra"
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