Carreira Militar
Passando a Limpo
 
 
por Jarbas Passarinho
A morte de Márcio Moreira   Alves deu margem, não só às merecidas referências, como ao aproveitamento do   momento para a repetição de conceitos e versões deformadas da história. Leão   XIII disse que quem escreve para a história não pode transgredir duas leis:   não ousar mentir e não deixar de expressar toda a verdade. Nos panegíricos   que li, há o que reparar quanto à verdade e não menos quanto ao silêncio   obsequioso, que a deprava. A versão de que os militares fizeram do discurso   de Márcio o pretexto para editar o AI-5 é parte da propaganda bem-sucedida   de que as liberdades civis e políticas existentes impediam sua vocação   ditatorial e precisavam de um motivo falso para revogá-las.     Ora, no governo Castello   Branco houve o atentado terrorista no aeroporto de Recife, causador de   mortes, mutilações físicas e ferimentos graves, ainda em 1966, e não houve   retaliação. No de Costa e Silva, a agitação estudantil no Rio e São Paulo,   bem assim as ações das guerrilhas urbanas, em São Paulo em 1967, confirmadas   no resumo cronológico do livro A esquerda armada no Brasil de 1967 a 1971,   premiado em Cuba, já lhe teriam dado motivo real em vez de pretexto. Na   Teoria da Constituição, ensina Karl Lowenstein: um governo atacado por   contestadores armados, se responde fogo com fogo, cede ao autoritarismo, mas   se nada contrapuser caminha para o suicídio. Não havia a menor razão, pois,   para forjar motivos imaginários e conceder importância desmedida a um   discurso feito, na Câmara, no chamado pinga-fogo, de máximo de cinco minutos   e a que não se dá atenção nem aparte.     No livro O despertar da   revolução brasileira, de sua autoria, Márcio diz que o discurso não teve   repercussão na imprensa. Nem ofenderia rudemente os militares, se se   limitasse ao apelo cômico às mulheres, para não namorá-los. Mas o discurso   associou, ao esdrúxulo pedido, rude ofensa às Forças Armadas, dizendo-as   “valhacouto de gangues de torturadores”. Em artigo na Folha de S.Paulo, o   deputado Aldo Pereira tem outro enfoque: “O governo nem achou graça nem   descontou exageros retóricos (.) Noutras circunstâncias, e num regime civil,   a reação ao discurso de protesto de Márcio talvez até se dissipasse em   risotas”. Mas não trata da ofensa grave cometida. Políticos, que não atentaram   para o insulto à dignidade dos militares, dizem que “o discurso foi a   indignação dos jovens contra o cerceamento da liberdade”. Ora, as liberdades   fundamentais, a da imprensa inclusive, eram asseguradas até então. Outro   dá-lhe o galardão de destemido no combate ao regime militar. Não sei onde   ele viu o regime militar. Na prática, conheci um, ao tempo do presidente do   Peru, general Velasco Alvarado. Iniciava seus discursos, à mesa, sentados   todos os seus ministros devidamente fardados: “O governo das Forças Armadas   e do povo do Peru”, e prosseguia.     Não fui parte nas demarches   que se sucederam ao discurso. De pronto, ao que sei, os ministros militares   fizeram uma representação ao seu comandante supremo, que a encaminhou ao   ministro da Justiça. Hoje, me pergunto por que o pedido de desagravo dos   militares foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, já que o ministro   Gama e Silva, da Justiça, professor de direito da USP, sabia que, em todas   as Constituições republicanas, “o senador e o deputado são invioláveis por   suas opiniões, palavras e votos”. Ademais, como o Supremo é o guardião da   Constituição, por que se dirigiu à Câmara dos Deputados para conceder   permissão para processar o deputado Márcio Moreira Alves? O saudoso senador   Daniel Krieger me disse que os deputados dividiam-se nas articulações para   suspender o mandato do deputado por certo número de dias. Como já estávamos   em dezembro, e muito próximos do recesso normal do Congresso, contavam   concertar solução, passado o recesso. Mas a votação chegou antes, a 12 de   dezembro. A maioria defendia a indiscutível imunidade do deputado e votou   contra a autorização solicitada pelo o Supremo.     Resta uma palavra sobre a   reunião do presidente Costa e Silva com o Conselho de Segurança, do que   resultou o AI-5. Se o “estrambelhado” discurso de Márcio (como o classificou   Aldo Rebelo) foi o pretexto para chegar-se à decretação do AI-5, por que   ninguém deu uma só palavra sobre ele? Tudo que se falou está gravado e hoje   disponível na internet. Os ministros militares, pelo general Lira Tavares,   ministro do Exército, enfatizaram foi não terem como garantir a ordem   interna ameaçada pelas guerrilhas favorecidas pela legislação vigente. O   Estado de Sítio mantinha o habeas corpus, razão porque não teve apoio do   Conselho. Isso foi a causa do AI-5. Nada, porém, sobre o discurso de Márcio,   mas sobre a impossibilidade, ressaltada pelos ministros militares, de vencer   as guerrilhas com os meios legais existentes.Jarbas Passarinho
   Foi ministro de Estado, governador e senador
Fonte: Correio Braziliense - 7/3/09
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