DENIS LERRER ROSENFIELD
Para que se possa melhor compreender o debate atual sobre o Código Florestal e o parecer do deputado Aldo Rebelo
, é necessário analisar o trabalho de ONGs nacionais e internacionais, que atuam fortemente junto ao Congresso e aos formadores de opinião. Apesar de sua aura de politicamente corretas, representam interesses concretos, mormente de países do Primeiro Mundo, que competem com o país e gostariam de ter uma maior ingerência em nossos assuntos.
Agricultura, pecuária, agronegócio e energia ficariam com elas, enquanto nós deveríamos cuidar de nossas florestas.
Se a posição delas prevalecer, o Brasil se tornará um grande museu ambiental, um zoológico de luxo, enquanto elas se dedicarão às atividades produtivas. Economia de mercado protegida para elas, atraso para nós.
Observe-se, ademais, que essas ONGs, de “direita” e de “esquerda”, atuam como verdadeiros lobbies, fazendo valer os seus interesses. Seria interessante que fosse aprovada uma lei de regulamentação da atuação de lobbies, em que algumas condições básicas seriam estabelecidas:
a) quem são os seus dirigentes; b) quem são os seus apoiadores e financiadores; c) quais são os seus respectivos orçamentos; d) quanto ganham os seus executivos e operadores. Trata-se de uma questão básica de transparência, para além do palavreado de defesa da “humanidade”.
Aliás, “humanidade” deles é bastante curiosa, pois o que vale para nós não vale para eles.
Em nosso Código Florestal atual, existe a “reserva legal”, segundo a qual toda terra cultivável deve preservar de florestas e biomas nativos, no Sul, 20% da área, no Cerrado, 35%, e na Amazônia, 80%. Ora, esse instituto não existe nos EUA e na Europa. Eles não são obrigados a preservar nada, poluem o planeta com seu estilo de vida e exigem que o nosso país seja preservacionista. Os países de Primeiro Mundo devastaram praticamente todas as suas florestas nativas.
Vejamos algumas dessas ONGs e movimentos.
WWF Brasil, ONG sediada nos EUA, tem fortes financiadores e apoiadores, contando com uma grande equipe. Sua atuação no Brasil,
além de militar contra a revisão do Código Florestal, situa-se na área de infraestrutura e agricultura. É contra a construção do Terminal Portuário de Morrinhos (MT), a construção do Terminal Portuário de Bamin, do Porto do Sul (BA), e a soja produzida no país.
O
Greenpeace, ONG
cada vez mais acusada de fraudes na Europa e de utilização dos recursos coletados para os seus dirigentes, é contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, os transgênicos, a pecuária na Amazônia, além de ser evidentemente contra a revisão do Código Florestal. Seus financiadores e apoiadores são expressivos.
O
ISA (Instituto Socioambiental), ONG ambientalista e indigenista, além de ser contra a revisão do Código Florestal, é contra a construção de novas hidrelétricas, centrando seus ataques em Belo Monte. Seus apoiadores e financiadores se dizem defensores dos “povos da floresta”. Entre eles, além de empresas e fundações, temos governos estrangeiros.
O
Centro de Apoio Socioambiental (Casa), por sua vez, segue a orientação da Teologia da Libertação, no sentido de promover, inclusive,
movimentos de criação, no país, de “nações indígenas”. Além de suas ações contrárias à revisão do Código Florestal, ele se posiciona contra a construção de hidrelétricas, em particular a de Belo Monte. Procura igualmente condicionar os financiamentos do BNDES às suas próprias condições, evidentemente apresentadas como de “preservação da natureza”. Seus apoiadores internacionais são importantes, misturando-se igrejas, empresas, ONGs e fundações.
O
Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), braço do MST, além de ser contra a revisão do Código Florestal, é contra a transposição do Rio São Francisco e a construção das hidrelétricas em geral. Centra suas ações nos projetos de Jirau e Santo Antônio no Rio Madeira, de Belo Monte, Riacho Seco e Pedra Branca, na Bahia, de Itapiranga, na divisa de Rio Grande do Sul e Santa Catarina, entre outras.
A
Via Campesina/MST, por sua vez, atua também contra a revisão do Código Florestal, os transgênicos, o agronegócio, a cultura de cana-de-açúcar e produção de etanol, florestas de eucaliptos e a cultura da soja. Ademais, tem forte atuação junto aos movimentos indigenistas e quilombolas.
Conservation International tem vasta atuação internacional, estando presente no Peru, no Equador, na Selva Lacandona, México, centro operacional dos zapatistas. No Brasil, posiciona-se contra a revisão do Código Florestal, contra a agricultura em Minas Gerais e Bahia, através da ampliação em 150 mil hectares do Parque Nacional Grande Sertão Veredas. É contra a construção do Terminal Portuário de Bamin, do Porto do Sul (BA), e do traçado final da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol). Tem fortes apoiadores empresariais, fundações e governos estrangeiros.
Amigos da Terra, forte ONG internacional, tem, entre seus fundadores, Brice Lalonde, que foi ministro do Meio Ambiente de Mitterrand. Ele chegou a declarar que o Brasil deveria “
renunciar a parcelas de sua soberania sobre a região amazônica”.
Destaca-se, na Europa, por sua campanha contra o etanol brasileiro. A lista apresentada não é, evidentemente, exaustiva. Ela permite, porém, um olhar um pouco mais abrangente dos interesses em jogo. Todas
lutam pela preservação da “reserva legal”, isentando-se de toda ação do mesmo tipo em seus países de origem. Se não fossem hipócritas, deveriam usar os mesmos critérios. Fica uma sugestão: o Brasil poderia se comprometer com o “desmatamento zero” e
essas ONGs, com todos os seus recursos e apoiadores, deveriam se comprometer com a criação da “reserva legal” nos EUA e na Europa, com a recriação de “florestas nativas”. Utilizariam todo o conhecimento e a tecnologia de suas grandes universidades. Poderiam começar com 20%, o mínimo existente no Brasil. Mostrariam a sua verdadeira vocação ambiental e planetária.Fonte: O GLOBO – 05.07.2010