Dilma Rousseff, durante a campanha eleitoral, não se cansou de afirmar: "A gente nunca pode apostar nas virtudes dos homens, porque todos os homens e mulheres são falhos. Precisamos apostar na virtude das instituições." Ela diz ter ouvido esse pensamento do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos.
Pelo visto, Dilma gostou. Tanto que vem repetindo esse mantra em todas as ocasiões cabíveis. O argumento valeu até mesmo quando lhe perguntaram se aceitaria o adversário José Serra em seu futuro governo. Tudo bem, ela aceitaria. E, pelo seu raciocínio, as instituições se encarregariam de vigiá-lo.
Quanto a Bastos, embora não seja o autor do conceito, soube expressá-lo com propriedade.
Foram dois economistas liberais, Ronald Coase e Douglass North - ambos Prêmios Nobel de Economia -, os pioneiros no trato da questão.É surpreendente ouvir tais assertivas da boca de pessoas que, ao menos em tese, comungam as ideias da esquerda. Isso porque
os economistas citados são mais identificados com o pensamento dito conservador. Seus estudos têm como pano de fundo o "livre mercado" e a "iniciativa privada". Coisas do capitalismo, como se sabe. Vale a pena abordar esse tema.
Em primeiro lugar, uma pergunta:
por que será que as pessoas praticam atos arriscados como empreender e criar empresas, ou a emprestar dinheiro, comprar e vender mercadorias?Afinal, como afirmam os intelectuais - em especial os da sucursal latino-americana -,
o mercado é um ambiente hostil, no qual os indivíduos estão sempre tentando se prevalecer da boa-fé alheia e enriquecer à custa da exploração do próximo... Quem garante os cordeiros contra os lobos? Não é mais seguro ficar em casa e não se prestar a aventuras de final imprevisível?
A resposta é que
as pessoas têm confiança. Empreendem e comerciam porque sabem que estão garantidas pelas instituições. As pessoas confiam umas nas outras. E não é por causa das virtudes que os outros alegam ter, mas porque
as instituições nos obrigam a todos a agir com retidão.Que instituições são essas? O Estado? Não apenas ele. O Estado nada mais é do que um reflexo dos costumes, crenças e valores da sociedade. Não é o Estado, mas a sociedade, que cria as instituições. E as modela de acordo com o que pratica e com aquilo em que acredita.
Existem, assim, dois tipos de
instituições: as formais, que são as igrejas, a escola, o poder público, as leis, as Forças Armadas, a universidade, etc.; e as ditas informais, como os preceitos religiosos, a ética, a moralidade e tudo o mais em que as pessoas acreditam e que norteia o seu comportamento.Mesclando as instituições formais e informais, as pessoas sentem-se à vontade para interagir economicamente.
Podem confiar no próximo porque sabem de antemão que este não vai lográ-las. É num ambiente assim que florescem o progresso e a prosperidade.Os povos que mais se desenvolvem são justamente aqueles onde existem instituições mais maduras e apropriadas.
E onde fica o Brasil nessa história? No meio do caminho.
A democracia, o Estado de Direito, a Constituição e o quase consenso que existe com relação às diretrizes da economia: tudo isso é garantido por instituições fortes. Alguém já disse que as instituições são como linhas de alta tensão. À primeira vista, parecem inertes e inofensivas. Mas quem ousa tocar nelas leva um coice e morre torrado.
Por falar nisso, vale ressaltar que nossas esquerdas também têm consciência da importância das instituições, que no dicionário delas são chamadas genericamente de "superestrutura".
Antes de alcançar o poder, os petistas e que tais diziam que era necessária uma insurreição popular para que pudesse ser implantado o socialismo. Agora, depois que chegaram lá, trocaram as ideias incendiárias de Ernesto Guevara pelas mais amenas, de Antonio Gramsci.
Explicando melhor: os ensinamentos e o exemplo de Che Guevara na década de 1960 passaram a todas as esquerdas latino-americanas a noção de que - existindo ou não "condições objetivas" - a transição para o socialismo deveria ser feita de imediato. E se a sociedade local não estivesse madura para tanto? Não importa. A luta armada obrigaria todas as pessoas a tomar posição e assim se desencadearia a "revolução".
Em toda a América Latina, essa incontinência revolucionária levou muita gente à guerrilha e à clandestinidade. A maioria foi torturada e boa parte morreu.Quatro décadas depois, nossas esquerdas descobriram que poderiam chegar ao poder de modo pacífico. Como? Via eleições, dentro das regras democráticas.
Guevara foi convenientemente deixado de lado. O novo guru, agora, é o pensador italiano - também marxista - Gramsci. Segundo este,
para que a revolução se dê de forma efetiva, antes de tudo é preciso aperfeiçoar o modo de pensar da sociedade. Nos
corações e mentes das pessoas, os valores capitalistas têm de ser substituídos pelos socialistas.
E para tanto o que deve ser feito pelos militantes da causa?
Esta é a parte mais confortável. Devem, tão somente,
incrustar-se no ensino, nos círculos acadêmicos e, principalmente, na administração pública, para - ocupando os postos estratégicos - poderem mudar a mentalidade geral.Ou seja, chega de sangue, suor e lágrimas! O certo, agora, é "aparelhar" o Estado e tratar de reformá-lo "por dentro".
Foi assim, por meios tortos, que, no Brasil, o pensamento de esquerda incorporou o papel fundamental das instituições.Até por que, enquanto a revolução não vem, o melhor a fazer é refestelar-se, em segurança, nos bons empregos públicos.
JORNALISTA, DEPUTADO ESTADUAL, FOI DEPUTADO FEDERAL,
SECRETÁRIO E MINISTRO DE ESTADO
BLOG: WWW.BLOGDOMELLAO.COM.BR
Fonte: Estado de São Paulo
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