O deputado que se lixa foi uma espécie de porta-voz de muitos de seus colegas que também se lixam.
Do dia em que o presidente Lula foi à TV para dizer à nação que nada sabia sobre o esquema do mensalão até a semana passada, quando a imprensa começou a abrir mais uma caixa preta do Senado – a dos chamados atos secretos –, o Brasil já passou por mais de uma centena de escândalos políticos. Com eles, a população foi obrigada a ouvir também uma enxurrada de desculpas inconsistentes dos envolvidos, além de tentativas de explicar o que, para muitos, é inexplicável.
Algumas dessas desculpas são verdadeiros insultos à inteligência do cidadão, outras soam como piadas. No caso da farra das viagens internacionais – em que se descobriu que um grande número de parlamentares estava usando sua cota de passagens aéreas para bancar viagens ao exterior de esposas, filhos, amigos e namoradas –, surgiram pérolas como a do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP): “
Aqueles que se utilizaram das passagens, sem que houvesse regras claras e precisas a respeito, não estavam a cometer ilícito de qualquer natureza”. Para muitos que ouviram esse discurso foi como se o deputado dissesse: todos que botaram a mão no dinheiro do contribuinte estão perdoados porque não havia normas sobre o assunto. A partir de agora, no entanto – porque a imprensa denunciou –, esse tipo de assalto fica proibido.
Da Câmara para o Senado, das viagens para os celulares,
os brasileiros ouviram o senador Tião Viana (PT-AC) tentar explicar porque emprestou um dos celulares que a Casa põe a seu dispor (sem limite de gastos) para a sua filha mais velha levar numa viagem ao México, em janeiro passado. “Era a primeira vez que minha filha fazia uma viagem sozinha, por isso lhe emprestei o celular, para que eu pudesse localizá-la. Ela assumiu o compromisso de não fazer nenhuma ligação”. O senador garante que pagou a conta dos telefonemas. Depois da desculpa, nada mais se questionou sobre a “lisura” de um senador usar o público em proveito próprio.
Imagine o leitor se cada pai de família que embarca a filha em uma viagem sozinha pela primeira vez pedisse emprestado um celular do Senado para que a sua menina possa ser localizada. Luciana Cardoso, filha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e empregada no gabinete do senador Heráclito Fortes (DEM-PI) não usou celular público para falar com a família, mas também nem precisava.
Ficava, como ela mesmo admitiu, trabalhando em casa sem bater ponto no Senado, embora recebesse salário de R$ 7,6 mil como secretária parlamentar. Ao ser questionada sobre o assunto, saiu com essa: “
Trabalho mais em casa, na casa do senador. Como faço coisas particulares e aquele Senado é uma bagunça e o gabinete é mínimo, eu vou lá de vez em quando”.
Ainda na bagunça do Senado, o ex-diretor-geral da Casa Agaciel Maia tentou justificar porque ocultou de sua declaração de bens uma mansão avaliada em R$ 5 milhões, registrada em nome do irmão. “
Meu erro foi fazer apenas um documento com o meu irmão. Como era um negócio fraterno, não tive a preocupação de ir a um cartório transferir a escritura, o que farei agora”. Foi apenas um “pecado fraterno”, na avaliação do ex-diretor, que é acusado de cometer uma série de irregularidades ao longo dos muitos anos à frente do Senado.
Sinceridade que assusta Por mais doloroso que pareça, no meio de todos os escândalos dos últimos tempos, o único que foi direto ao xis da questão e não quis ludibriar o cidadão com argumentos esfarrapados para explicar suas posições foi o deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), ex-relator do processo contra o colega Edmar Moreira, o dono do castelo, no Conselho de Ética da Câmara. Ao ser questionado se não tinha medo da reação da opinião pública caso pedisse o arquivamento do processo contra Edmar Moreira, Moraes reagiu indignado: “
Estou me lixando para a opinião pública. Até porque a opinião pública não acredita no que vocês (jornalistas) escrevem. Nós nos reelegemos mesmo assim”. O deputado que se lixa foi uma espécie de porta-voz de muitos de seus colegas que também se lixam – só não o dizem de peito aberto – e que, como o próprio Moraes afirmou, vão continuar se reelegendo.
Por falar em
Edmar Moreira, depois que estouraram as denúncias envolvendo o seu nome, o deputado não criou nenhuma frase de efeito para tentar se explicar.
No depoimento que deu no Conselho de Ética, em maio, para tentar se defender das acusações de que usou verba indenizatória irregularmente, ele disse, entre outras coisas, que estava sendo injustiçado – e caiu no choro. Certamente emocionou muitos brasileiros, satisfeitos que estão em pagar os salários dele e dos seus pares pelo “belo trabalho” legislativo que vêm fazendo.Fonte: Estado de Minas - 22/6/09,
com indicação do meu amigo Áureo
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