Carreira Militar
CAPES Anistia Bolsistas Caloteiros no Exterior
por Janer Cristaldo
Há bem mais de duas décadas venho denunciando uma corrupção – miúda se vista do ponto de vista individual, extensa se vista do ponto de vista coletivo – que há anos corrói o país. Os jornais denunciam com entusiasmo a corrupção no governo, nas estatais, no congresso. Jornalista algum diz um pio sobre a corrupção universitária. Corrupção praticamente legal, contínua e subreptícia, que há anos vem sangrando o país.
Manifesta-se de várias formas. Ora em convênios com empresas privadas, que mais servem para aumentar o salário de panelinhas de professores, congressos literários em prestigiosas cidades do Exterior, que são mais turismo e bona-xira do que reunião de troca de idéias, indicações de livros conforme interesses de editoras e de autores amigos e, finalmente, o filé dos filés, a bolsa no Exterior.
Não que bolsa no Exterior seja sinônimo de corrupção, nada disso. Há milhares de estudantes brasileiros fazendo honestamente seus mestrados e doutorados e devolvendo sua ciência ao país que os financia. Mas há uma fatia – que não é pequena – de universitários que usam seus subsídios para fazer turismo ou para começar vida nova no estrangeiro.
Em 1989, denunciei em cerca de vinte artigos, na imprensa catarinense e gaúcha, os desmandos administrativos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E por que a UFSC? Porque nela trabalhei e sabia do que falava. Denunciei 73 professores que faziam turismo no exterior, mais outros tantos com dedicação exclusiva que mantinham consultórios ou escritórios privados. Houve inquérito administrativo, comissões de inquérito, entrega de folhas de pagamento à Receita Federal, etc., e tudo deu em nada.
Fui processado pelo então reitor, Bruno Schempler, pelas alusões que fiz à UFSCTUR, a mais generosa agência de viagens do país. Diga-se de passagem, a reitoria da UFSC é a única que conheço que tinha em seu prédio uma agência de turismo para uso exclusivo de seu corpo docente. O juiz que recebeu o processo, deu-me 48 horas para retratar-me ou comprovar minhas denúncias. Comprovei-as em 24 horas e o juiz desmanchou o processo. O Magnífico Reitor teve de tirar o cavalinho da chuva.
Mas jamais tive notícia de que algum professor com vocação para o turismo tivesse sido excluído do corpo docente ou obrigado a devolver o que gastou na dolce vita em Paris, Londres ou Roma.
A mais confortável corrupção hoje – costumo afirmar – é a corrupção universitária. Muito mais ampla e mais permanente que a corrupção no Congresso. Os coitadinhos dos deputados e senadores são denunciados por levar mulheres, amantes e prostitutas para uma ou duas semaninhas no Exterior. (Nestes dias, por exemplo, está se condenando um honesto operário nordestino por levar fiambre em suas viagens ao Exterior). Bolsista do CNPq ou Capes fica quatro ou cinco anos nas mais prestigiosas capitais do Ocidente. Se voltar de mãos vazias, tudo bem. Se você tem vocação para a corrupção, deixe de lado a política. Os jornalistas caem em cima. Universidade é muito melhor. Jornalista algum denuncia a universidade.
A corrupção era tão notória que acabou vindo à tona. Entre 2008 e 2010, o TCU condenou 48 ex-bolsistas do CNPq e da Capes a restituir um total de R$ 19,6 milhões. São pesquisadores que não voltaram ao país após a conclusão de cursos no exterior pagos com dinheiro público. As duas instituições dizem que as irregularidades atingem menos de 1% das bolsas e vão de 1981 a 1998.
Oh! Não me digam, por favor, que 1998 para cá não houve mais bolsistas inadimplentes! Que providências mágicas foram tomadas nesse ano da graça que estancaram a sangria do Erário? No caso da Capes, a relação de contas abrangia 91 ex-bolsistas. Outros 316 eram do CNPq. O valor dos prejuízos superava os R$ 100 milhões.
Os jornais falam em irregularidades, em bolsistas fujões, em prejuízos. Jamais em corrupção. Chamam de irregularidade o que é roubo. Chamam de bolsistas fujões professores criminosos. Chamam de prejuízo o que é calote.
Em acórdão publicado em abril de 2010, o Tribunal de Contas da União disse que o propósito da concessão de bolsas no exterior "é a formação de pesquisadores", e não a "satisfação pessoal de determinado estudante". Os doutos magistrados, ao que tudo indica, precisaram de três décadas para chegar a esta brilhante conclusão.
Comentei também, na época, o caso da pesquisadora Ana Maria dos Santos Carmo, obrigada a devolver R$ 489 mil ao CNPq, por descumprir um compromisso firmado com a instituição. Nada menos que US$ 223 mil, ao câmbio de então. A estudante não retornou ao Brasil após concluir seus estudos de pós-doutorado nos Estados Unidos, em química de solos, custeados pelo conselho. Santos Carmo alegava a falta de emprego em sua área de trabalho. Até se dispunha a pagar o montante, desde que parcelados em US$ 100 mensais. Em apenas 2.230 meses, a dívida estaria quitada. Ou seja, em pouco mais de 185 anos, os cofres públicos seriam ressarcidos. Proposta generosa, não chega sequer a dois séculos. O CNPq não gostou e sugeriu à moça outro parcelamento, de US$ 860,36 mensais. Não levou. Nesses termos, a pesquisadora preferiu não pagar.
Se um bolsista, tendo concluído seu doutorado, recebe boa oferta de trabalho no Exterior, qual instância, humana ou divina, o obrigará a ressarcir a União? Serão expedidas cartas rogatórias? A União constituirá advogados no estrangeiro para a cobrança da dívida? O bolsista caloteiro terá seus bens executados no Exterior? Será pedida sua extradição? Qualquer destes procedimentos custará bem mais caro que o valor da bolsa.
Leitor me pergunta: será que algum desses bolsistas pagará o devido? Só quando você conseguir enxergar suas orelhas. Em 1936, na Espanha, Juan Negrín, ministro da Fazenda do governo Largo Caballero, raspou os cofres do país em troca de aviões, carros de combates, canhões, morteiros e metralhadoras russas. Ao celebrar com um banquete no Kremlin a chegada das 7.800 caixas com 65 quilos de ouro cada uma (três quartos das reservas espanholas), Stalin, evocando um ditado russo, comemorou: "Os espanhóis não voltarão a ver seu ouro, da mesma forma que ninguém pode ver as orelhas".
Leio hoje no Estadão que a Capes vai conceder anistia aos caloteiros brasileiros no Exterior. Bolsistas que fazem pós-graduação em outros países com bolsas do governo federal poderão permanecer no exterior após a titulação, sem ter a obrigação de devolver o dinheiro investido à União, caso uma comissão de especialistas entenda que eles estão vinculados a pesquisas "técnico-científicas de relevância para o País ou para a humanidade".
A legislação brasileira determina que, terminado o prazo da bolsa de estudos no exterior, o beneficiado volte para o Brasil dentro de 90 dias. Aqui, ele deverá permanecer pelo mesmo período de anos de duração da bolsa para assegurar que o investimento traga retorno ao País. A idéia é que o ex-bolsista continue as pesquisas aqui, aplicando o conhecimento adquirido fora do Brasil.
A portaria que regulamenta a desoneração dos ex-bolsistas que justificarem o motivo do não retorno ao País foi publicada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no Diário Oficial da União no final de setembro e já está em vigor. Ainda não há dados sobre bolsistas que poderiam se beneficiar da medida. Todos, é óbvio. Nos últimos dez anos, 19.758 brasileiros foram fazer pós-graduação no exterior com bolsas da Capes. Desses, 380 não retornaram para o País dentro do prazo exigido - o que representa quase 2% do total. Quem não vai querer beneficiar-se? O Brasil só vai ver seu dinheiro de volta quando você enxergar suas orelhas.
Ano passado, o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, anunciou o programa Ciência Sem Fronteiras, que vai custear 100 mil bolsas de intercâmbio nas principais universidades do exterior para estudantes, desde o nível médio ao pós-doutorado. A intenção é promover o avanço da ciência, tecnologia e competitividade do Brasil.
Longe de mim desqualificar tão brilhante iniciativa. Mas... mas... mas... sempre tem um mas. Ao financiar cem mil bolsas, o Brasil está repassando a universidades estrangeiras um dinheiro que falta às universidades brasileiras. As universidades estrangeiras sabem disso e já têm escritórios no Brasil para captação de clientela. Generoso país este nosso, que se permite financiar as universidades do Primeiro Mundo.
Mais ainda: ensino universitário no Exterior é caro. E às vezes é mais caro ainda para o estudante estrangeiro. No Reino Unido, por exemplo, um estudante britânico paga mil libras por ano para frequentar uma universidade. Já o estudante estrangeiro, este paga... dez mil libras.
Quando o Brasil financia um bolsista na Inglaterra, está financiando os estudos de dez britânicos. Pode o Brasil permitir-se este luxo?
Fonte: Janer Cristaldo
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