Onde houver um mastro neste País, provavelmente hoje nele estará tremulando o chamado auriverde pendão da pátria. Afinal, é o Dia da Bandeira. A data comemora os 119 anos do Decreto nº 4 da nascente República brasileira, assinado em 19 de novembro de 1889 pelo Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, o Chefe do Governo Provisório que tomara o poder quatro dias antes, após a derrubada do imperador D. Pedro II.
A decisão de escolher uma bandeira para o novo regime, que tinha o apoio dos demais membros do governo provisório – Quintino Bocaiúva, Aristides da Silva Lobo, Rui Barbosa, Manuel Ferraz de Campos Sales, Benjamin Constant e Eduardo Wandenkolk –, punha uma pedra legal em cima de uma discussão que não era nova. Ainda antes da Proclamação da República, os antimonarquistas já propunham mudanças mais radicais no mais emblemático dos quatro símbolos da nação (os outros três são o Hino Nacional, o Brasão de Armas e o Selo Nacional), que sob Pedro II mantinha o formato básico original da primeira bandeira do Brasil independente.
Sem bandeira – Nos tempos coloniais, o Brasil não tinha uma bandeira. Usava-se aqui a de Portugal. A primeira foi a criada em 1645, quando o rei português D. João IV elevou o Brasil a Principado. Era uma bandeira branca, com uma esfera armilar – instrumento usado no aprendizado da navegação – de ouro no centro. Acima dela, uma pequena esfera azul e a Cruz de Cristo vermelha. Mas, antes que um símbolo da terra, era uma marca para o herdeiro do trono português, D. Teodósio, agraciado com o título de Príncipe do Brasil.
Em 1815, sete anos depois de chegar ao Brasil fugindo de Napoleão Bonaparte, o rei D. João VI elevou o País à categoria de Reino Unido e, no ano seguinte, finalmente ganhamos uma bandeira – embora não exclusiva, pois o Reino Unido era de Portugal, Brasil e Algarve.
Debret – Com a Independência, em 1822, tivemos enfim uma bandeira só nossa. Ela era baseada num projeto elaborado pelo artista francês Jean-Baptiste Debret em 1820. A princípio, atribuía-se sua encomenda a D. Pedro de Alcântara, o futuro D. Pedro I, até então príncipe-regente. Em 1940, porém, pesquisadores portugueses encontraram entre documentos pessoais de D. João VI, em Lisboa, um esboço de Debret. Isso levou estudiosos a concluírem que D. João VI já contava com a possibilidade de um Brasil independente – se não, por que pediria uma bandeira daquelas?
Autor da encomenda à parte, voltemos à bandeira de Debret. Era verde, tinha um losango amarelo e, no centro deste, a esfera armilar sobre uma Cruz de Cristo, encimada pela coroa real. Nas laterais, um ramo de cana de açúcar e outro de café, então as duas grandes riquezas da terra. E, circundando tudo, 18 estrelas, representando as províncias, e uma estrela maior, que era a da Corte.
Por que o verde e o amarelo? Nunca houve nenhuma explicação oficial a respeito, mas acredita-se que o verde era em homenagem à dinastia dos Bragança, da qual a família real descendia, e o amarelo representava os Habsburgo, que eram os ancestrais da esposa de D. Pedro, a princesa D. Leopoldina. Com o tempo, as cores viraram popularmente o verde de nossas matas e o amarelo de nossas riquezas minerais.
19 estrelas – Proclamada a Independência, D. Pedro I pediu algumas modificações na bandeira, entre elas a substituição do ramo de cana-de-açúcar por um de tabaco, que passara a destacar-se entre nossos itens de exportação. Eles ladeavam um escudo de fundo verde dentro do qual encontravam-se a esfera armilar sobre a Cruz de Cristo e 19 estrelas (porque havia mais uma província, a Cisplatina).
Esse modelo seria oficializado em 10 de novembro de 1822. Sobre o escudo, a coroa real, que, com a proclamação de D. Pedro como imperador, seria substituída vinte dias mais tarde pela coroa imperial, mais estreita e mais alta. E era essa a bandeira que tremulava nos mastros até 15 de novembro de 1889. Mas não sem contestação. Antes mesmo da deposição do imperador, republicanos já pediam a troca da bandeira.
As listradas – Em São Paulo, em julho de 1888, Júlio Ribeiro, editor do jornal republicano O Debate, já propunha uma bandeira com listras pretas e brancas e, no canto superior esquerdo, um quadrado vermelho com quatro estrelas douradas ladeando um círculo branco no qual figurava, em azul, o mapa do Brasil. Nos primeiros dias da República, várias dessas bandeiras enfeitavam os mastros paulistas. E, ao longo do tempo, agora com o mapa de São Paulo, seria adotada como a bandeira do Estado.
No Rio de Janeiro, porém, tão logo foi instaurado o novo regime, em 15 de novembro, surgiu no mastro da Câmara Municipal, hasteada pelo vereador José do Patrocínio, uma cópia da bandeira americana, só diferente nas cores. Eram 13 listras horizontais verdes e amarelas e, à esquerda, na parte superior, um retângulo azul com 21 estrelas brancas, representando as então vinte províncias e a capital federal. A mesma bandeira seria içada no mastro do navio Alagoas, que levaria a família imperial para o exílio.
Positivismo – Nem uma nem outra dessas bandeiras vingaria. A escolhida pelo governo provisório foi a desenhada pelo pintor Décio Vilares, a pedido de Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, chefes da Igreja Positivista – a doutrina inspirada na obra do filósofo francês Auguste Comte.
Ela mantinha as linhas gerais da bandeira do Império, com o verde e amarelo, mas trocava o brasão pelo círculo azul com estrelas, cortado pela faixa branca com as letras verdes do lema "Ordem e Progresso". Essa expressão é a forma sintética do lema político dos positivistas, de autoria de Comte: "O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim". Já o azul e o branco também provêm das mais ancestrais origens de Portugal. Eram essas as cores do Condado Portucalense, fundado em 1097, e que acabariam adotadas por D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal.
No memorial em que explicava seu projeto, Teixeira Mendes resumia a essência do novo símbolo, que não desprezava as origens do Brasil. Assim, o azul e branco era referência ao Brasil-Colônia. A esfera remetia à esfera armilar do Brasil-Reino. E as constelações de estrelas seriam uma imagem a "fomentar a mais vasta fraternidade".
Branco, vermelho e negro – Mas a escolha não foi uma unanimidade. Tanto que, nos anos seguintes, surgiriam novas propostas de bandeira, até com cores diferentes. Era o caso dos projetos de Silva Jardim e do Barão do Rio Branco, que propunham o branco, o vermelho e o negro, correspondendo às três raças presentes na formação do povo brasileiro. Mas nenhuma dessas novidades prosperou. De lá para cá, as únicas mudanças na bandeira que hoje tremula nos mastros do Brasil foram o número de estrelas, que representam cada um dos estados e o Distrito Federal. Na original, eram 21 estrelas, e hoje são 27 (confira na arte qual é a estrela correspondente a cada Estado).
Mais estrelas – Até hoje, porém, há estranhezas sobre a disposição das estrelas na esfera azul. De acordo com o decreto original, elas são a reprodução do aspecto do céu na cidade do Rio de Janeiro às 8h30 do dia 15 de novembro de 1889 – ou seja, o dia, a hora e o local da Proclamação da República. Assim, aparecem estrelas das constelações do Cruzeiro do Sul, Escorpião, Cão Maior, Hidra e Triângulo Astral, além de outras menores. Ocorre que quem olha para as estrelas a partir da Terra – como é o caso dos simples mortais – terá uma visão invertida em relação ao que aparece na bandeira. A estrela menor do Cruzeiro do Sul, por exemplo, que na bandeira aparece no quarto inferior esquerdo, na verdade será avistada do lado direito. É que, seguindo a letra da lei, o céu da bandeira foi desenhado como se visto "por um observador situado fora da esfera celeste" – ou seja, de algum ponto do espaço. Mas isso é apenas um detalhe. Ou melhor, um ponto de vista.