A Chispa da Ferradura
Carreira Militar

A Chispa da Ferradura


por Janer Cristaldo
Carlos Heitor Cony, escritor e jornalista bafejado pela imortalidade da Academia Brasileira de Letras e pelas pensões milionárias que Fernando Henrique Cardoso instituiu para os celerados que um dia quiseram transformar o Brasil em uma republiqueta soviética, escreveu hoje na Folha de São Paulo artigo que não deixa de ser interessante.
Para o cronista, não adiantou aos romanos encarcerar Paulo de Tarso nem decapitá-lo: ele tornou o cristianismo universal. Não adiantou prender Fidel Castro na ilha de Pinos, depois do fracassado ataque ao quartel de Moncada. Ele foi solto e liderou uma revolução que dizimou seus adversários. Bem verdade que Fidel abriu outro capítulo na repressão e encheu cemitérios e prisões com os seus adversários.
Sintomática a comparação que o cronista faz entre Paulo – antes chamado Saulo -, o grande perseguidor dos seguidores de Cristo quando ainda nem existia o que passou a chamar-se cristianismo, e o tiranete do Caribe, grande assassino de seus próprios conterrâneos. Considero Paulo o primeiro stalinista da história, mesmo tendo vivido dois mil anos antes de Joseph Vissarionovich Djugashvili, mais conhecido como Stalin, ou seja, “o de aço”. Como bom ex-seminarista - como também o foi Stalin - Cony entende muito bem os grandes criminosos. Mas no parágrafo seguinte, o ex-seminarista já incorre em bobagens.
Se a repressão é inútil, se não adianta encarcerar presos políticos, pois na maioria dos casos eles saem da prisão diretamente para o poder (e os exemplos são numerosos ao longo do tempo), o que deve ser feito, desde que alguma coisa precisa ser feita? O ideal, evidentemente, seria a não existência de repressão, de prisões, de execuções. Nem degolas, nem guilhotinas, nem "paredons". Mas os tiranos que periodicamente aparecem no cenário mundial vão pouco a pouco aprendendo a lição. Ou seja, que é inútil a prisão política. Dez, 20, 40 anos depois, o carcereiro está coberto de ignomínia e o encarcerado é catapultado para a glória e para o núcleo da história de seu tempo.
Ora, Paulo não saiu da prisão para o poder. Saiu da prisão – que aliás foi suave, domiciliar, com direito até mesmo a secretários para escrever suas cartas e fazer seu proselitismo – para o cadafalso. É bom lembrar que quem mandou o judeu Paulo para a prisão não foram os romanos, mas os próprios judeus. Por uma questão de ortodoxia. Surgiram boatos de que Paulo levara seu amigo Trófimo – que não era circuncidado – ao templo. Sacrilégio! E o denunciaram aos ocupantes romanos.
Quanto à difusão do cristianismo, sim, ela se deve em boa parte a Paulo. Cristo morreu como uma mosca tonta, sem saber porque foi enviado para a cruz. Aliás, foi enviado também pelos judeus. Pilatos até que tentou salvá-lo. Mas os sacerdotes do Sinédrio queriam mesmo era a cabeça do Cristo. O cristianismo deve seu sucesso histórico não a Paulo, e sim ao imperador Constantino. É graças à formidável máquina de propaganda criada durante o império de Constantino que os papas gozam hoje de seus faustos e mordomias. A nova crença foi assumida pela grande potência da época e até hoje estamos ouvindo as besteiras proferidas pelos papistas.
O que fazer? – pergunta-se o cronista – repetindo a pergunta de um de seus mestres, Lênin. Que aliás tampouco se chamava Lênin, mas Vladimir Illitch Ulianov. (Curiosa esta tendência de grandes assassinos, desde Paulo a Stalin, de trocar de nome).
“A primeira idéia que me vem à cabeça - como disse acima - é cruel e selvagem. É também cínica e até certo ponto inútil, uma vez que é freqüentemente praticada. Ao inaugurar a tirania, nenhum tirano deve manter seus adversários na prisão: deve fuzilá-los imediatamente, sem julgamento nem processo, tal como na guerra: o soldado do exército azul vê o soldado do exército vermelho e não lhe pergunta o que pensa, por que pensa: vai logo matando”.
Foi o que fizeram tanto Lênin como Stalin, Mao, Pol Pot ou Castro. Cony está em boa companhia. No que a mim diz respeito, não só discordo como também concordo com o apaniguado imortal. Discordo porque o assassinato gera mártires. A sorte, não só do Cristo como de Che Guevara, foi terem sido assassinados. Cristo teve a ventura da cruz. Fosse empalado, duvido que os cristãos andassem por aí brandindo uma estaca como símbolo de sua fé.
Guevara foi outro afortunado. Morreu jovem e imortalizado numa foto de Korda, que o assemelhava a Cristo. Estivesse hoje vivo e de barbas brancas, não seria venerado como santo, como é venerado no mundo todo e também na Bolívia, onde passou a ser conhecido como San Ernesto de la Higuera.
Esta é minha discordância com Cony. Mas ao mesmo tempo concordo com o cronista. Se tivesse sido fuzilado nos anos 70 – não só ele como também os demais comunistas que queriam transformar o país numa grande Cuba – esta canalha não estaria hoje onerando os contribuintes com suas pensões milionárias.
Os militares de 64 ficaram devendo este favor à nação. Quem diz isto não sou eu. É o Cony. Stalinistas senis e caducos às vezes têm boas idéias. É a chispa da ferradura quando bate na calçada.
Fonte: Janer Cristaldo
COMENTO: Por ser agnóstico, o autor muitas vezes fere a sensibilidade dos católicos com comentários contrários à religião. Ele, como ex-seminarista deve ter seus motivos. Por outro lado, abstraindo-se sua posição anti-religiosa, escreve com rara perícia e bom humor. De todo o texto acima, não há como não concordar com sua conclusão!!



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