Eu, Direitista Raivoso
Carreira Militar

Eu, Direitista Raivoso


Um texto antigo*:
por Janer Cristaldo
De quatro em quatro anos, vivo meus dias de inferno astral. São os dias da Copa. Não que eu abomine futebol. Considero um esporte estético, dinâmico, inteligente. O que me desagrada é o que vem junto. Futebol seria civilizado se um torcedor aplaudisse uma boa jogada do time adversário. Isso não acontece. Futebol traz à flor da pele os mais baixos instintos da plebe: facciosismo, fanatismo, agressividade, violência e o pior de todos, patrioteirismo. O futebol é início da guerra civil, escreveu George Orwell.
O que me desagrada é a identificação de futebol com nação. A seleção é a pátria de chuteiras, dizia Nelson Rodrigues. Pátria de chuteiras para países subdesenvolvidos. Em país decente, é apenas mais um esporte entre outros. Nestes dias, quando saio na rua e vejo gente uniformizada de verde e amarelo, sinto vergonha de ser brasileiro. Mas que se vai fazer? Meu passaporte é brasileiro e só me resta sentir vergonha.
Ontem, fui almoçar em um restaurante francês, do qual gosto, além de razões culinárias, por não ter televisão. Lá fugirei das massas, pensei. Santa ilusão! Quando vi os garçons com lenços verde-amarelos atados na cabeça, lembrei de um antigo filme, cujo título já não recordo. Alienígenas invadem a terra e começam a tomar o corpo dos terráqueos. O herói se insurge contra a invasão mas não consegue contê-la. Quando o planeta está totalmente dominado, ele diz à sua companheira: "Vamos fugir para algum lugar onde eles não tenham chegado". Ela, já com a voz rouca dos contaminados, pergunta: "Para onde?" Não há para onde fugir. Nem mesmo ficando em casa.
Sou avesso às grandes datas em que todo mundo confraterniza, como Natal e Ano Novo. Mas nestas datas, pelo menos meu silêncio não é perturbado. Nas Copas, é. Não há como escapar das cornetas e foguetes. Por isso, sempre torço nas Copas. Para que o Brasil seja eliminado no primeiro jogo. Assim se tem um pouco de silêncio no mês. Mas torço em vão. Para mim, pior que Natal e Ano Novo, só mesmo a Copa.
Dito isto, sempre fui tido como homem de direita. Pelas mais variadas razões. Primeiro, porque não sou nem nunca fui comunista. Para os comunistas, quem não é comunista é de extrema direita. Segundo, porque além de não ser petista abomino o PT. Para um petista, quem não é petista só pode ser de direita. Terceiro, porque não tenho papas na língua na hora de condenar ditaduras comunistas. Quarto, porque não considero Fidel nem Che libertadores do continente, mas operosos assassinos. Quinto, porque não hesito em afirmar que Francisco Franco salvou das garras de Stalin não só a Espanha como também a Europa. E por aí vai.
Hoje, surpreendentemente, descubro que sou de direita... porque não gosto de Copas. Leio no Estadão que vários comentaristas norte-americanos estão atacando a popularização do esporte no país, dizendo que se trata de uma modalidade esportiva "de pobre", coisa de sul-americano, resultado da crescente influência dos hispânicos no país e ligado às "políticas socialistas" do presidente Barack Obama.
Glenn Beck, o mais famoso comentarista conservador da Fox News, compara o futebol às políticas de Obama. "Não importa quantas celebridades o apoiam, quantos bares abrem mais cedo, quantos comerciais de cerveja eles veiculam, nós não queremos a Copa do Mundo, nós não gostamos da Copa do Mundo, não gostamos do futebol e não queremos ter nada a ver com isso", esbravejou Beck na TV. Segundo ele, o futebol é como o governo atual: "O restante do mundo gosta das políticas de Obama, mas nós não".
Comentário do redator da Agência Estado, que não assina a matéria: “A Copa do Mundo é a mais nova vítima da raivosa extrema direita dos Estados Unidos”. Mais um adendo em meu currículo. Pertenço à raivosa extrema direita brasileira, que não gosta de futebol. Mais um pouco e serão pichados como direitistas aqueles que gostam de ópera e não de samba, de zarzuelas e não de funk, de csárdás e não de axé
Fanatismo em futebol é coisa de país pobre, sim senhor. Os países ricos também vibram com futebol, mas neles não vemos essa palhaçada de patrioteiros enrolados em bandeiras ou vestindo as cores do país. Em país rico não há essa canalhice demagógica de liberar funcionários do trabalho em horários de jogos. Muito menos esse zumbido atroador de cornetas e foguetes, típico de retardados mentais. Por que raios se tem de celebrar um gol perturbando a paz dos demais cidadãos? 
Fanatismo em futebol é coisa de gente inculta. Ontem, ao voltar do restaurante para a casa, antes de terminar o jogo, vi as ruas desertas de carros. São Paulo é mais inculta do que parece. Direitista raivoso, continuo minha torcida para que o Brasil caia no próximo embate e o país volte à normalidade. Sei que não estou só. Não poucos leitores participam desta direita raivosa. 
* Junho de 2010
Fonte:  Janer Cristaldo
COMENTO: eu sou contra esse "ópio do povo" que tratam como esporte! Esporte é algo no qual você participa e que te propicia algum benefício físico ou mental, não essa idiotice de ficar botando sua raiva para fora em estádios enquanto alguns marmanjos correm atras de uma bola. Na minha opinião, isso é mais uma forma de manipular a população, gerando grana para grandes empresas, além de servir como uma grande lavanderia de grana suja. Ou alguém acredita que há lógica nos salários pagos aos grandes jogadores (os dirigentes não devem receber menos)? Eu sei que às vezes me torno até um pouco antipático ante meus amigos ao ser incisivo nas opiniões, mas acontece que me irrita a manipulação do nosso povo por pessoas e entidades desonestas. Gostar de esportes, inclusive futebol, é muito natural e saudável, mas se prestamos atenção veremos que esse gosto se transforma em meio de vida de verdadeiras empresas que são formadas em torno de nome de ídolos momentâneos, forjados somente para favorecer alguns espertalhões (empresários e jornalistas comprometidos). Nada contra um jogador ganhar seus milhões se eles forem pagos pela iniciativa privada (apesar de não acreditar que tantos milhões sejam gastos em "propaganda" por empresa alguma), mas não acho justo o uso de um centavo sequer de verba pública em prol de times, estádios, empresas, etc, ligadas ao futebol ou a qualquer outro esporte, a não ser as escolas públicas. Pior, ainda, são as frequentes isenções de impostos e perdões de dívidas - particularmente para com a Previdência Social, que vive alegando estar à beira da falência - concedidas a essas entidades particulares. Tudo sob as desculpas ridículas de que "o brasileiro ama o futebol" e que "a seleção é a pátria de chuteiras".
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