12 Set 63 - O Levante de Brasília - III
Carreira Militar

12 Set 63 - O Levante de Brasília - III


A visão dos Soldados
1 - Vivida por Pedro Kowaliauskas
São Paulo tinha quatrocentos e nove anos. O Parque Dom Pedro II era arborizado. Em suas confrontações havia o quartel da Sétima Companhia de Guardas do Exército Brasileiro. Era julho de 1963.
São Paulo fornecia o contingente para o Batalhão da Guarda Presidencial, que fazia três anos estava sediado em Brasília e a quem cabia toda a Guarda da Presidência republicana, que hoje é dividida com a Cavalaria.
Mil quilômetros e vinte e quatro horas de ônibus aguardavam esses jovens paulistas, paulistanos e migrantes, oriundos em sua maioria das camadas humildes da população, para integrarem as forças de defesa da Pátria. Eu estava lá.
No dia 12 de setembro de 1963 explodia a revolta dos sargentos. Um pelotão foi formado às pressas, na Companhia de Petrechos Pesados, deslocando-se ao Ministério da Aeronáutica. Houve confronto balístico. A imprensa noticiou. Eu estava lá.
Três meses incompletos da incorporação ao Batalhão da Guarda Presidencial. Seguia o mês de setembro do ano de mil novecentos e sessenta e três. Já era dia doze.
No alojamento da Companhia de Petrechos Pesados o manto da noite agasalhava os soldados que, não estando em serviço, repousavam aguardando o toque de alvorada.
De repente as luzes todas se acenderam. Era  por volta de três horas da madrugada. Nem notei que havia soado um alarme. Segundo comentários posteriores, haviam tentado invadir o Batalhão.
O 1º Ten.Monteiro ordenava que a Companhia estivesse em forma, com uniforme de instrução, na pérgula. Não demorou muito e a ordem era cumprida.
A Cia. em forma, o oficial foi escolhendo alguns soldados para saírem de forma. Eu fui um deles. Havia um silêncio sepulcral.
O “choque” estava já postado ali perto. Eu imaginei que se tratava de um treinamento. Para nós que fomos escolhidos, foram distribuídos cinco cartuchos de munição para as armas que já estavam conosco.
Pronta a ordem para embarcar, rumamos ao centro de Brasília. Desembarcamos no Ministério da Aeronáutica. Imaginei que fosse um treinamento em conjunto das forças armadas.
Kortz e eu fomos escolhidos para o posto defronte ao edifício do Ministério. O tenente veio e disse:
- Vocês têm cinco cartuchos de munição. Se no prédio ao lado (Ministério da Marinha) houver algum movimento suspeito não atirem primeiro, mas, quando vocês atirarem não errem. (palavras escritas de memória, podem não condizer “ipsis literis”)
Ali ficamos por um espaço de aproximadamente uma hora para menos, quando fomos substituídos pelos Soldados Silva e Vellenick, se bem me lembro.
Foi nos dada autorização para irmos ao sub-solo do edifício, onde ficava o refeitório. Ali nos serviram aveia, em nossa caneca de campanha.
De volta, subindo as escadas, ouviam-se alguns estampidos. Kortz disse:  - É tiro!  Eu achava que era o estalo das persianas, que havia por lá.
Ao chegarmos ao salão de vidro, que dava para a rua, lá estavam, na metralhadora ponto 30 o soldado-metralhador veterano 1103 (não sei o nome) que disparava rajadas. E o Ten.Monteiro disparava os fuzis  que eram substituídos em sua mão. Kortz gritou para eu dar meu fuzil ao tenente porque ele estava mandando. Logo após voltou a arma às minhas mãos, descarregada.
Alguns instantes após, tentava o jovem oficial ligar para o Batalhão, mas não conseguia linha. Não sei de onde apareceu também um telefone de manivela. Disparos ainda continuavam. Agora mais interruptos.
Algum tempo passou. Chegaram os tanques e apontaram seus canhões para o edifício insurgente.
Viam-se os braços erguidos dentro das gandolas cáqui dos fuzileiros navais saindo do prédio.
Havia sido abortada essa tentativa de fratricídio. Mas as inseminações continuaram pelos tempos vindouros.
E clareava o dia. Novamente fomos reunidos, já com reforços, desta vez presente  também o 3º Sgt  Monteiro.
A revista Manchete fazia documentação fotográfica do evento. Os soldados do BGP deitados no chão da esplanada, formavam um mar verde-oliva e os tanques de guerra pareciam tigres a mostrar suas garras.
Agora eu já sabia que não era um treinamento. Outra vez o "choque". E outra vez não sabíamos para onde estávamos indo. Paramos defronte à guarnição da Aeronáutica, até que veio a ordem para adentrarmos ao quartel. - Desembarcar!
Agora era o Sargento Monteiro no comando. Estabeleceu postos de guarda, iniciando-se o primeiro turno às nove da manhã, com período de uma hora. Fez a escala, que hoje ainda tenho em minhas mãos.
O 10º BC de Goiânia veio suprir a guarda do BGP. Ficamos em torno de três dias na Aeronáutica.
Saímos do quartel com cinco cartuchos de munição cada, mas voltamos com o cinturão de guarnição completamente cheio, tantas foram as balas encontradas escondidas dentre os arbustos, na Aeronáutica.
Estes são os soldados que participaram do primeiro evento do dia 12 de setembro de 1963, a Revolta dos Sargentos:
791-KORTZ; 820-TÉRCIO; 797-MÍLTON; 793-ALONSO; 816-GALHARDI; 799-ODARA; 775-JONAS; 781-ALMEIDA; 815-PRATES; 812-ERTL; 782-CREMONEZI; 794-CARDOSO; 813-KOWALIAUSKAS; 823-WALTER; 779-BORGES; 746-ARNALDO; 760-VELLENICH; 786-SILVA; 1103- soldado veterano (metralhador); e 780-KNOLL.
São Paulo já havia comemorado 410 anos de existência. No dia 31 de março de 1964 nasciam os anos de chumbo. Por força do "bilaquiano" dever os soldados paulistas compunham também essa faceta de nossa história.

2 - Vivida por Mário Pascual Júnior - Soldado 1270 - 4ª Cia. de Fuzileiros - 1963
Era Setembro de 1963, eu estava dormindo com uma passagem de ônibus Brasilia/Ribeirão Preto-SP, pois conseguia junto ao comando do BGP uma folga de 8 dias para visitar meus familiares, quando o Tenente Altidório me chamou e ordenou que descesse imediatamente do alojamento da 4ª Cia. e apanhasse meu armamento já que eu era o atirador do 3º Pelotão.
Imediatamente cumpri as ordens apanhando meu fuzil-metralhadora e me posicionando em uma trincheira ao lado do quartel. Até aquele momento não sabia ainda o que estava acontecendo, apenas com ordens de atirar caso houvesse invasão. Confesso que com apenas 18 anos de idade fiquei muito tenso, porém, sem medo de defender meu posto.
Ao amanhecer ouvi ruído dos tanques blindados do Regimento de Cavalaria Mecanizada se deslocando e ruídos de tiros de metralhadora ao longe, vindos do centro de Brasília. Recebi novo comando dos oficiais para que deslocasse o pelotão para embarque imediato, o que foi feito.
Ao chegarmos à Esplanada dos Ministérios constatamos a gravidade do momento: havia um sargento da Marinha morto por um oficial do BGP que fez um contrataque para defender suas tropas.
A tensão aumenta e somos deslocados para o Aeroporto de Brasília onde ficamos em trincheira ao lado da rodovia de acesso, com ordens de revidar qualquer ataque.
Após algumas horas, fomos deslocados em direção ao quartel da Marinha que ficava um pouco distante da Capital. No caminho deparamos com um veiculo da Cia. Telefonica metralhado com o motorista morto com a cabeça caída ao volante, momento inesquecível e a tensão ainda maior.
Ao chegar ao quartel da Marinha, apoiados pelos tanques e pela artilharia de solo, tomamos o quartel e conseguimos fazer nossa primeira refeição do dia às 19:00 horas.
Alí havia a notícia: aconteceu a Revolta dos Sargentos liderados pelo sargento Garcia que na época era Deputado Federal.   Após 7 dias de tensão fui autorizado a viajar para minha cidade e rever minha família.
Finalmente quero dizer: SÃO PAULO ESTAVA LÁ.
Com muito orgulho e muita saudade, guardo comigo as recordações de meu tempo de quartel e acho que todo brasileiro deveria passar pelas Forças Armadas, pois a vida é mais valorizada após essa experiência.
Fonte:  copiados do Blog Veteranos do BGP
com adaptação dos dois textos do Sr Pedro Kowaliauskas
COMENTO:  com esta postagem, completo minha tentativa de mostrar como foi visto o mesmo episódio por um Oficial que servia em Brasília e conhecia o TO; por um Oficial de fora enviado com seus comandados para uma "missão suicida", com precárias informações sobre sua missão; e por dois Soldados que tiveram participação no fato. Nos três diferentes casos, nota-se o completo desconhecimento da situação pelos nela envolvidos. Mas sobressai o que baliza as atitudes dos militares que honram esse adjetivo: a disciplina e a hierarquia, além da noção do que é correto. Mesmo desinformados sobre o que estava acontecendo, os relatos mostram que não houve indecisão no cumprimento das ordens recebidas. Isto é o que diferencia os militares dos demais profissionais.
Amanhã comemora-se mais um aniversário da Contrarevolução de 31 de Março de 1964. Ainda hoje podemos ler ou ouvir da parte de alguns participantes causadores daquele fato histórico (e por outros que dele não participaram por nem serem nascidos, mas foram "devidamente doutrinados" para assim acreditarem) que naquele momento foi instaurada uma ditadura militar que sufocou a democracia brasileira. Alegam que a luta armada desencadeada logo depois foi para a "retomada da democracia" mas contra isso se opõem os depoimentos de algumas pessoas que participaram desse movimento e, contrariamente à maioria, possuem dignidade para falar abertamente sobre os objetivos de então.
- Carlos Fico, professor: -  A opção de pegar em armas é anterior ao ato institucional. Alguns grupos de esquerda defenderam a radicalização antes de 1968 - garante ele.
- Daniel Aarão Reis, professor de História da UFF e ex-guerrilheiro do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8): Se as esquerdas tomassem o poder, haveria, provavelmente, a resistência das direitas e poderia acontecer um confronto de grandes proporções no Brasil -atesta . - Pior, haveria o que há sempre nesses processos e no coroamento deles:   fuzilamento e cabeças cortadas.  As esquerdas radicais não queriam restaurar a democracia, considerada um conceito burguês, mas instaurar o socialismo por meio de uma ditadura revolucionária”. “Não compartilho da lenda segundo a qual fomos - o braço armado de uma resistência democrática. Não existe um só documento dessas organizações que optaram pela luta armada que as apresente como instrumento da resistência democrática”.
- Marcelo Ridenti, Professor de Sociologia da Unicamp, argumenta que o termo "resistência" só pode ser usado se for descolado do adjetivo "democrática".  - “As esquerdas radicais se lançaram na luta contra a ditadura, não porque a gente queria uma democracia, mas para instaurar o socialismo no país por meio de uma ditadura revolucionária, como existia na China e em Cuba".  - Houve grupos que planejaram a ação armada ainda antes do golpe de 1964, caso do pessoal ligado ao Francisco Julião, das Ligas Camponesas. Depois de 1964, buscava-se não só derrubar a ditadura, mas também caminhar decisivamente rumo ao socialismo.
(citações copiadas da página do Grupo Guararapes)



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